Para que não sejam esquecidas

Para que não sejam esquecidas

O contexto europeu do século 16 era dominado pelos homens. Numa sociedade fortemente patriarcal, o elemento masculino tinha grande ascendência em todas as áreas. Não foi diferente com a Reforma Protestante e seus líderes notáveis. Ao mesmo tempo, a forte ênfase do movimento sobre o casamento e a família, bem como o revolucionário princípio do “sacerdócio de todos os fiéis”, abriram novas oportunidades e áreas de atividade para as mulheres. Ainda que atuando essencialmente nos bastidores, algumas delas prestaram valiosas contribuições e conquistaram a admiração de seus contemporâneos.

Em primeiro lugar, vale destacar as esposas de alguns reformadores, começando com Katherine von Bora, ou Catarina de Bora (1499–1552). Em 1523, influenciadas pelas ideias de Martinho Lutero, ela e outras freiras fugiram do seu convento e foram parar em Wittenberg dentro de tonéis de arenque. Lutero encontrou maridos para quase todas e finalmente descobriu que Catarina se interessava por ele. Após alguma relutância, visto achar que podia ser morto a qualquer momento como herege, ele a desposou no verão de 1525. Seu casamento se estendeu por 20 anos, marcados por grande afeto e admiração mútua. Tiveram seis filhos, quatro dos quais chegaram à idade adulta. Kate, que possuía um temperamento forte como o do marido, colocou em ordem a vida diária dele, deu atenção à sua saúde, administrou as finanças e se desdobrou trabalhando na horta, no pomar, no tanque de peixes, no estábulo e supervisionando uma casa sempre repleta de hóspedes. Lutero referiu-se a ela jocosamente como “meu senhor Kate”.
Idelette de Bure foi esposa de João Calvino. O casamento ocorreu em agosto de 1540, em Estrasburgo, quando o reformador contava 31 anos. Idelette era uma viúva com dois filhos, natural dos Países Baixos, que havia sido casada com um comerciante anabatista, e depois reformado, vitimado pela peste. Ela se revelou uma esposa exemplar, dedicando-se ao lar e realizando um abnegado ministério de visitação e beneficência junto aos enfermos e pobres de Genebra. Tiveram um único filho, Jacques, que morreu com poucas semanas de vida. Os nove anos de casamento foram marcados por grande harmonia, apesar da saúde frágil de ambos. Idelette morreu em 29 de março de 1549, levando o famoso companheiro a dizer em uma carta: “Fui privado da melhor companhia de minha vida”.

É impressionante o caso de Willibrandis Rosenblatt (1504–1564), que foi casada com nada menos que quatro reformadores, tendo ficado viúva de todos eles. Inicialmente, casou-se com Ludwig Keller, ou Cellarius (†1526), e com João Ecolampádio (†1531), ambos de Basileia; a seguir, com Wolfgang Capito (†1541) e com Martin Bucer (†1549), de Estrasburgo. Teve um filho com o primeiro, três com o segundo, cinco com o terceiro e dois com o quarto, além de um adotivo. Foi chamada “a viúva alegre da Reforma”, uma designação injusta, pois na verdade teve uma vida de grandes provações. Seu lar era hospitaleiro e marcado pela frugalidade. Muitas vezes precisou cuidar sozinha da família e também da mãe enferma. Morreu em Basileia, sendo sepultada ao lado do segundo esposo.

Outras mulheres admiráveis ligadas à Reforma tiveram uma vida muito diferente, tendo pertencido à nobreza. Marguerite de Angoulême, ou Margarida de Navarra (1492–1549), foi rainha consorte do reino de Navarra, entre a França e a Espanha, e irmã do rei Francisco I. Foi a mulher mais influente da França no seu tempo, sendo uma grande simpatizante do Renascimento e da reforma religiosa. Embora não tenha abraçado o protestantismo explicitamente, manteve correspondência com Calvino, empenhou-se em proteger os reformados e procurou dissuadir seu irmão de tomar medidas intolerantes contra eles. Acredita-se que influenciou a causa da Reforma na Inglaterra. Foi autora de muitos contos e poesias, tendo escrito em 1531 o poema “Espelho da alma pecadora”, marcado por intensa devoção a Cristo. Descrita como gentil, caridosa e amiga de todos, sua generosidade para com os desvalidos era proverbial e ela se autodenominou “a Primeira-Ministra dos pobres”.

Sua filha Jeanne d’Albret (1528–1572) tornou-se rainha de Navarra em 1555. Foi casada com Antônio de Bourbon, o duque de Vendôme, e mãe de Henrique de Bourbon, mais tarde rei Henrique IV da França, o primeiro dessa dinastia. Influenciada pelas ideias reformistas da mãe, abraçou decididamente o calvinismo, que se tornou a religião oficial do seu reino. Com isso, veio a ser a personalidade protestante mais destacada da França. Dotada de forte temperamento, foi uma governante hábil e resistiu fortemente às inúmeras pressões para que abandonasse a fé reformada. Protegeu seus correligionários durante as guerras religiosas, promoveu encontros de líderes protestantes e chegou a criar um seminário teológico em La Rochelle. Morreu poucos meses antes do horrível massacre do Dia de São Bartolomeu.

Muitas outras mulheres partidárias da Reforma podem ser mencionadas, como Anna Reinhart (esposa de Ulrico Zuínglio), Elizabeth Silverstein (primeira esposa de Martin Bucer), Katharina Krapp (esposa de Filipe Melanchton), Katharine Schutz Zell (notável líder em Estrasburgo), Elizabeth Cruciger (amiga da família de Lutero), Anna Rhegius (erudita bíblica), Marie Dentière (líder reformada em Genebra), Marjory Bowes e Margaret Stewart (esposas de John Knox), Jane Grey (rainha da Inglaterra), Catherine Willoughby (duquesa perseguida) e Olímpia Fúlvia Morata (erudita italiana). Daqui a menos de três anos será comemorado o 5º centenário da Reforma Protestante. É importante que essas valorosas mulheres sejam lembradas e honradas.


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