O sofrimento humano na perspectiva cristã

O problema do sofrimento humano é uma questão existencial e religiosa da maior importância em todos os tempos e lugares, tendo, portanto, uma relevância universal. Mais intensamente em nossa época e cultura, pois vivemos em uma realidade paradoxal: de um lado, temos uma sociedade que impõe às pessoas o imperativo da felicidade, numa perspectiva totalmente hedonista; de outro lado, esta mesma sociedade, firmada sobre bases sócio-econômicas perversas, nega a enormes parcelas da população o acesso aos meios mais básicos para esta busca, gerando, assim, uma miríade de seres humanos frustrados e cada vez mais experimentados no sofrimento. O mesmo sistema que cria a demanda compulsória de ser feliz fecha as portas da realização desse mesmo ideal a um sem-número de pessoas. É para este contexto paradoxal que o cristianismo é desafiado a direcionar sua mensagem acerca do sofrimento humano.
Como resposta à questão, de um modo geral, o cristianismo hodierno tem oferecido um discurso difuso e insuficiente, além de uma prática quase que inexistente – com honrosas exceções, que só confirmam a regra. As igrejas históricas, via de regra, passam ao largo desses dilemas e se contentam em falar à parcela da população que tem algum recurso para entrar nesta “batalha pela felicidade”; as igrejas pentecostais clássicas aceitam o desafio de falar aos marginalizados, mas optam pela negação do mundo, pela resignação diante dos problemas e pela alienação, produzindo ainda mais marginalização; as igrejas neo-pentecostais assimilam os princípios da sociedade e do sistema, dando a eles uma roupagem religiosa, oferecendo, assim, uma mensagem conformada aos valores vigentes que encontra eco todas as camadas sociais, mas sem qualquer profundidade ou poder transformador, que deveriam ser características da mensagem do Evangelho.
Qual deve ser, então, uma postura cristã válida diante do problema do sofrimento humano no mundo moderno? Concordo com os teólogos contemporâneos que afirmam não ser necessário enfatizar-se, a priori, uma resposta meramente dogmática para a causa e a legitimidade do sofrimento. O cristianismo contemporâneo não precisa de pensadores como os “amigos de Jó”, especialistas em discursos “onto-teológicos” que pretendem dissecar causas e raízes dos problemas humanos. Ele carece é de uma mensagem e – mais do que isso – de práticas que reflitam o caráter do próprio Cristo, que habitou conosco, assumindo nossas dores e aflições e a si mesmo se entregando por nós. O paradigma de fé e de prática, de pensamento e de ação, para o cristianismo no mundo está firmado na Encarnação de Cristo.
O sofrimento humano na perspectiva cristã deve, portanto, ser analisado a partir de uma reflexão que o liberte dos muros conceituais que o mundo moderno lhe infligiu, com seu imperativo da felicidade, sua visão edonista e suas injustiças sociais. Além disso, deve-se evitar, também, concentrar-se na tentativa de prover respostas meramente dogmáticas e abstratas para a causa ou a legitimidade do mesmo. Antes, deve-se buscar imprimir em nosso discurso uma marca de “simpatia” e “empatia”, palavras que tem origem na língua grega e que significam respectivamente “junto com o sofrimento” e “dentro do/no sofrimento”. Seguindo o exemplo de Cristo, seus discípulos precisam sentir-se motivados a encarnar o ideal neotestamentário de caminhar junto com os que sofrem e, até mesmo, colocar-se no lugar deles, assumindo também a sua dor. Mais do que respostas dogmáticas, a recomendação apostólica do “chorar com os que choram” traduz com mais eficácia e relevância o ideal cristão diante do sofrimento humano.
José Luiz Martins Carvalho
http://teologiahoje.blog.com/

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