Opinião: Como os Cristãos se Encaixam no Sistema Bipartidário? Eles Não se Encaixam.

Qual deve ser o papel dos cristãos na política? Mais pessoas do que nunca estão fazendo essa pergunta. Os cristãos não podem fingir que podem transcender a política e simplesmente “pregar o Evangelho”. Aqueles que evitam todas as discussões políticas e engajamento estão essencialmente lançando um voto para o status quo social. As igrejas americanas no início do século 19 que não se pronunciaram contra a escravidão porque isso era o que nós chamaríamos agora de “engajamento político” estavam realmente apoiando a escravidão ao fazê-lo. Não ser político é ser político.

A Bíblia mostra crentes exercendo cargos importantes em governos pagãos — pense em José e Daniel no Antigo Testamento. Os cristãos deveriam estar envolvidos na política como uma forma de amar nossos vizinhos, acreditem eles ou não. Trabalhar para melhores escolas públicas ou para um sistema de justiça que não seja pesado contra os pobres ou para acabar com a segregação racial requer engajamento político. Os cristãos fizeram essas coisas no passado e devem continuar a fazê-lo.

No entanto, enquanto os crentes podem se registrar sob uma filiação partidária e ser ativos na política, eles não devem identificar a igreja ou fé cristã com um partido político como a única opção cristã. Há várias razões para insistir nisso.

Uma é que isso dá àqueles que consideram a fé cristã a forte impressão de que, para se converterem, precisam não apenas acreditar em Jesus, mas também se tornar membros do partido (preencher o espaço em branco). Isso confirma o que muitos céticos querem acreditar sobre a religião — que ela é apenas mais um bloco votante que busca poder.

Outra razão para não alinhar a fé cristã com uma das partes é que a maioria das posições políticas não são questões de ordem bíblica, mas de sabedoria prática. Isso não significa que a igreja nunca possa falar sobre realidades sociais, econômicas e políticas, porque a Bíblia frequentemente o faz. O racismo é um pecado que viola o segundo dos dois grandes mandamentos de Jesus: “amar o próximo”. Os mandamentos bíblicos para ajudar os pobres e defender os direitos dos oprimidos são imperativos morais para os crentes. Para cristãos individuais, falar contra violações flagrantes desses requisitos morais não é opcional.

No entanto, existem muitas maneiras possíveis de ajudar os pobres. Deveríamos encolher o governo e permitir que os mercados de capitais privados aloquem recursos, ou deveríamos expandir o governo e dar ao Estado mais poder para redistribuir a riqueza? Ou o caminho certo é uma das muitas possibilidades intermediárias? A Bíblia não dá respostas exatas a essas perguntas para todas as épocas, lugares e culturas.

Eu conheço um homem do Mississippi que era um republicano conservador e um presbiteriano tradicional. Ele visitou as Highlands [terras altas] escocesas e lá encontrou igrejas tão rigorosas e ortodoxas quanto ele esperava. Ninguém ligava a televisão aos domingos. Todos memorizavam catecismos e escrituras. Mas um dia ele descobriu que os amigos cristãos escoceses que ele admirava eram (na opinião dele) socialistas. A compreensão que eles tinham de política econômica e das responsabilidades do Estado era, na visão dele, muito esquerdista mas também fundamentada nas convicções cristãs que eles tinham. Ele retornou aos Estados Unidos não mais politicamente liberal, mas, em suas próprias palavras: “humilhado e castigado”. Ele percebeu que os cristãos pensantes estão todos tentando obedecer ao chamado de Deus e poderiam razoavelmente aparecer em diferentes lugares do espectro político, com lealdade a diferentes estratégias políticas.

Outra razão pela qual os cristãos atualmente não podem permitir que a igreja seja totalmente identificada com qualquer partido em particular é o problema que o especialista britânico em ética James Mumford chama de “ética do pacote”. Cada vez mais, os partidos políticos insistem que você não pode trabalhar em um assunto com eles se não abraçar todas as posições.

Essa ênfase em aceitar os pacotes fechados coloca pressão sobre os cristãos na política. Por exemplo, seguindo tanto a Bíblia quanto a igreja primitiva, os cristãos devem estar comprometidos com a justiça racial e com os pobres, mas também com a compreensão de que o sexo é apenas para o casamento e para a manutenção da família. Uma dessas visões parece liberal e a outra parece opressivamente conservadora. As posições cristãs históricas sobre questões sociais não se encaixam nos alinhamentos políticos contemporâneos.

Com isso os cristãos são empurrados para duas opções principais. Uma é retirar-se e tentar ser apolítico. A segunda é assimilar e adotar integralmente o pacote inteiro de uma só pessoa para ter seu lugar à mesa. Nenhuma dessas opções é válida. Na parábola do Bom Samaritano contada no Evangelho de Lucas, Jesus nos aponta para um homem arriscando sua vida para dar ajuda material a alguém de raça e religião diferentes. Jesus nos proíbe não ajudarmos nossos vizinhos, e isso inevitavelmente exigirá que participemos de processos políticos. Se nós experimentamos a exclusão e até a perseguição por fazê-lo, temos a certeza de que Deus está conosco (Mateus 5.10–11) e que alguns ainda verão nossas “boas ações e glorificarão a Deus” (1 Pedro 2.11–12). Se somos apenas ofensivos ou apenas atraentes para o mundo, e não as duas coisas, podemos ter certeza de que estamos deixando de viver como deveríamos.

O Evangelho nos dá os recursos para amarmos as pessoas que rejeitam nossas crenças e a nós pessoalmente. Os cristãos devem pensar em como Deus os salvou. Ele fez isso não tomando poder, mas vindo à terra, perdendo glória e poder, servindo e morrendo numa cruz. Como Jesus salvou? Não com uma espada, mas com pregos nas mãos.

Timothy Keller, fundador das igrejas Presbiterianas do Redentor na cidade de Nova York, é autor de “O Profeta Pródigo: Jonas e o Mistério da Misericórdia de Deus”, do qual este ensaio é adaptado.

Original: How Do Christians Fit Into the Two-Party System? They Don’t. The New York Times. 29 de Setembro 2018

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