ESPECIAL 500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE - Protestantismo: o que restou da Reforma?
Historiadores concordam com a importância da Reforma Religiosa do Século 16 para os rumos da cristandade e de suas implicações sociais, políticas, econômicas e culturais. A afixação das 95 teses por Lutero em 31 de outubro de 1517 e a ênfase na autoridade das Sagradas Escrituras, na salvação somente pela graça, mediante a fé em Jesus Cristo, afetaram profundamente a história da Igreja. Movimentos como o puritanismo, o pietismo, o avivalismo e as missões mundiais foram desdobramentos. Seus valores concorreram para o desenvolvimento de muitos países. Mas quando olhamos hoje para a maioria deles, como Grã-Bretanha, Alemanha, Canadá e Austrália, ficamos chocados com a reduzida freqüência aos templos, numa média de 3% a 5% dos membros, com a sociedade agressivamente secularizada e a maioria das igrejas em declínio. Como pano de fundo, encontramos primeiro o liberalismo moderno, racionalista, sem verdades, mistérios, conversões, poder ou milagres.
A Reforma havia baseado sua autoridade em um livro visto como sagrado, a Bíblia, e fragilizando as instituições. O Livro, a partir do Iluminismo e com a Crítica de Forma na Teologia, foi violentamente contestado. Sem a autoridade da Bíblia não havia instituições legitimadoras para definir a verdade. A reação fundamentalista, logo descaracterizada, antiintelectual e sectária, constituiu-se em uma resposta inadequada. Por sua vez, o “livre exame”, como acesso universal dos crentes às Escrituras, foi desvirtuado por uma “livre interpretação”, que fragmenta, agravada pela “livre iniciativa” do denominacionalismo norte-americano, resultando em mais de 25.000 “denominações”; um escândalo e um pecado, compensados, retoricamente, pela eclesiologia neoplatônica da “unidade da igreja invisível”.
A cultura pós-moderna, com seu liberalismo revisionista, descrente de toda verdade, doutrina ou valores — absolutamente relativista —, somente tende a agravar essa tragédia hegemônica no protestantismo dos países desenvolvidos, já exportada para nós, os povos periféricos, e fazendo os seus estragos por aqui. Sem a valorização da história (pré e pós-Reforma), e absorvendo usos e costumes das diversas culturas em que nos inserimos, vamos nos tornando uma pálida imagem da Reforma, que, com freqüência, vem resvalando para um retorno à mentalidade medieval, como com a “batalha espiritual” e a “teologia da prosperidade”, em um fenômeno de massas emergentes: o neo(pós)pentecostalismo. Chamá-lo de protestante se constitui em uma temeridade, pois seria um desrespeito à memória dos reformadores. Apesar de tudo isso, particularmente no hemisfério sul, as igrejas protestantes (ou “protestantes”) continuam crescendo (ou inchando?), umas mais, outras menos, algumas já demonstrando sinais de estagnação, apelando para qualquer método, sem critérios, para sair do marasmo.
Desaparecendo no hemisfério norte, crescendo fragmentado e desordenadamente no hemisfério sul, com as novas (superficiais) gerações não ensinadas sobre a sua história e doutrina, podemos ainda chamar esse fenômeno religioso de protestantismo? Podemos denominá-lo como algo esgotado ou apenas carente de uma nova reforma, com um retorno, atualizante, às suas origens? Com esse presente — sem passado e sem identidade —, qual será o seu futuro? O Senhor da Reforma, em sua providência, poderá outra vez reformá-la.
Dom Robinson Cavalcanti foi bispo da Diocese Anglicana do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada. www.dar.org.br
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