A dança como farol de santidade
Por Jénerson Alves
As performances dançantes de adoração ainda geram polêmicas no meio da igreja evangélica. Basta dar uma rápida olhada em fóruns de debates cristãos na internet, ou mesmo perguntar a crentes das mais diversas denominações, para perceber que não há um consenso. Por um lado, há grupos que acreditam que este tipo de prática, de certa forma, distorce a ordem e a decência que devem fazer parte da liturgia. Por outro lado, outros creem que é possível glorificar ao Criador através do movimento expressivo do corpo, inclusive baseando-se em textos bíblicos como o versículo 04 do Salmo 150.
Indo além destas discussões – as quais, por vezes, tornam-se inócuas –, é possível refletir sobre a presença da dança no culto como um sintoma da compreensão cristã sobre o corpo. Este assunto faz parte da “antropologia cristã”, ou seja, o segmento teológico que investiga a natureza da humanidade. Este tipo de análise é pertinente, tendo em vista que a compreensão acerca do corpo interfere na forma de o ser humano lidar consigo mesmo.
Na cultura grega, acreditava-se que a alma possuía elementos divinos, mas o corpo não. Sócrates, por exemplo, morreu com toda a tranquilidade, ao ingerir cicuta, porque acreditava que a morte nada mais era do que a libertação da alma espiritual do cárcere corpóreo. Já o médico e alquimista Paracelso, no século XV, entendia que o corpo deve ser considerado apenas como um “sistema químico”.
A fé cristã, todavia, não corrobora nenhuma destas óticas. Como o Senhor Deus é criador de todas as coisas, “visíveis e invisíveis”, Ele também é criador da alma. Ou seja, a alma não é divina, mas é criatura de Deus e dEle depende a sua existência – inclusive, sua permanência pós-morte não advém de uma característica “per se”, mas de dádiva divina. “Além disso, a esperança cristã não se limitava à continuação da vida depois da morte, mas incluía também a esperança de que a alma voltaria a se unir ao corpo, uma vez que a alma em si não é um ser humano completo. Eis o motivo pelo qual o Credo dos apóstolos declara que os cristãos acreditam na ‘ressurreição do corpo’”, pontua Justo Gonzáles, um dos mais proeminentes historiadores da Igreja, no livro ‘Uma breve história das doutrinas cristãs’ (Hagnos, 2014).
Atualmente, o que se percebe é que a dessacralização do corpo, conduzindo pessoas ao hedonismo, a práticas sexuais nefastas, e até mesmo à violência e à agressividade. O filósofo Mário Ferreira dos Santos já assinalava nos anos 1960 que a sociedade ocidental está passando um processo de “barbarização”, no qual a inteligência está sendo alvo de severo combate, por meio da supervalorização da força e do corpo ocultando as habilidades racionais dos seres humanos.
Neste contexto, parece ecoar as palavras do Senhor Jesus Cristo aos Seus discípulos: “Não será assim entre vós”. Destarte, a movimentação ritmada ao som de louvores nos cultos, atrelada à conscientização da audiência, pode ser compreendida como um lembrete de que o corpo deve ser tratado de maneira apropriada pelos seguidores do Messias.
Líder de um ministério de dança na Igreja Evangélica Encontro das Águas, situada em meio ao ‘point’ alternativo de Caruaru, a jovem Havenna Letícia procura desenvolver um trabalho livre de religiosidade, mas que promova a reflexão sobre o ser humano e seu papel no mundo. De acordo com ela, o contraponto que a igreja pode oferecer diante de uma sociedade que encara o corpo como um instrumento de busca incessante por prazer é o testemunho do senhorio de Jesus Cristo em todas as esferas da existência. “Temos de mostrar que tudo foi criado por Ele e para a glória dEle, de modo que o meu corpo não pertence a mim, mas a Ele, indo na contramão do que pensa a sociedade”, destaca. Assim sendo, ela entende que a dança precisa ser expressão de uma vida de comunhão com o Senhor. “Não é a dança que nos move para adoração, mas nossa adoração que nos move a querer expressar através da dança o que sentimos”, diz.
É com base nesta premissa que a dança no ambiente evangélico configura-se como um ‘farol’ para a santidade. Ao compreender que tanto a alma, quanto o corpo, quanto as demais criaturas são do Senhor, o cristão estabelece uma relação de adoração integral, conforme a admoestação paulina: “omina in gloriam Dei facite” (“fazei tudo para a glória de Deus”, I Coríntios 10:31).
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