Sobre arminianismo, calvinismo e o uso da história do pensamento cristão
Silas Daniel respondeu à avaliação que preparei de seu texto “Em defesa do arminianismo” (publicado na revista Obreiro Aprovado Ano 36, nº 68) em cinco postagens, publicadas no site da CPAD News.1 Neste ensaio respondo a estes.
Introdução
Palavras têm significado. Portanto, há que se fazer uma diferença entre semipelagianismo e semiagostinianismo: o primeiro ensina que a graça de Deus e a vontade do homem trabalham juntas na salvação, e o homem deve tomar a iniciativa; a fé e o arrependimento são obras humanas, sendo consideradas pré-requisitos para se receber o Espírito. O segundo ensina que a graça de Deus se estende a todos, capacitando uma pessoa a escolher e a fazer o necessário para a salvação; a fé e o arrependimento são dons do Espírito. Esta diferença não pode ser subestimada, ainda que o termo “semipelagianismo” tenha sido cunhado pelos luteranos no século XVI, usado na Epítome da Fórmula de Concórdia, para, retrospectivamente, rotular a teologia associada a João Cassiano (conhecida como massilianismo, mas que também tem sido chamada pelos católicos de semipelagiana).
Já “molinismo” é a noção ensinada pelo jesuíta Luis de Molina, no século XVI. Esta posição foi uma ruptura não só com os ensinos de Agostinho e Aquino sobre a predestinação, mas também com os de Armínio (na medida em que o molinismo defende que Deus sabe que, se certa pessoa for colocada em uma situação particular, ela não irá resistir à graça). Logo, em um non sequitur, o autor busca respaldo no molinismo, ainda que se identifique como arminiano. Para tentar responder à questão “quem criou o que Deus previu?”, ele apela à ideia do “conhecimento divino do futuro contingente condicional” (a scientia media, ideia elaborada por Molina), que supostamente teria respaldo bíblico (ele cita apenas um texto-prova em apoio a esta ideia). O molinismo tem sido popularizado atualmente por William Lane Craig e Alvin Plantinga. Já há em português farto material refutando o molinismo.2
De toda forma, a teologia católica tem rejeitado o ensino associado com o semipelagianismo (ou massilianismo) como herético, desde o sínodo de Orange, de 529:
Cân. 4. Se alguém professa que, para sermos purificados do pecado, Deus aguardou a nossa vontade, não porém que também o querer ser purificados se dá em nós mediante a inspiração e a obra do Espírito Santo, este tal se opõe ao mesmo Espírito Santo, que diz por meio de Salomão: ‘A vontade é preparada pelo Senhor [Pv 8.35 septg.], e ao Apóstolo, que salutarmente anuncia: ‘É Deus que opera em vós tanto o querer como o realizar segundo seu beneplácito’ [cf. Fp 2.13].3
Silas reconhece que errou em seu estudo da soteriologia dos teólogos medievais. Ele havia, confiantemente, escrito em seu artigo publicado na revista Obreiro Aprovado4 que “o que prevaleceu na Igreja, desde o século 6 em diante, foi uma soteriologia que aceitava a Depravação Total, mas negava o conceito de predestinação”. Agora, nas postagens mais recentes, escreve, corrigindo-se, que “houve um excesso (...) [de sua] parte ao desprezar 100% de todo e qualquer vestígio da compreensão agostiniana (...) durante a Idade Média”.
1. Soteriologia agostiniana na Idade Média
Parece óbvio escrever isso, mas nenhum especialista em história do pensamento cristão afirmou que há plena concordância entre os teólogos medievais que citei e as formulações de Agostinho, o “Doutor da Graça”, como parece ter entendido o autor. Mas não há como notar que há sim algum tipo de continuidade entre as formulações de Agostinho e dos teólogos medievais que citei anteriormente: Próspero de Aquitânia, Gottschalk de Orbais, Anselmo da Cantuária, Bernardo de Clarvaux, Thomas Bradwardine, Tomás de Kémpis e Tomás de Aquino, além de Jan Hus e John Wycliffe. Mesmo quanto ao conceito do livre-arbítrio há diferenças de definição entre estes autores.5
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