O sofrimento e o consolo

Quando menos esperamos, o sofrimento bate à nossa porta, entra sem pedir licença e se instala em nossa casa. É uma visita incômoda, inoportuna e dolorosa. E ele se manifesta de muitas maneiras: na perda de um ente querido; no conflito que gera ruptura na família; na violência gratuita que nos vitima na rua; no filho que faz escolhas erradas; no diagnóstico da moléstia incurável; no acidente grava; no desemprego; na experiência de traição ou humilhação… Muitas são as formas, mas o sentimento comum a todas é: sofrimento
Lamentavelmente, a Igreja contemporânea, com seu exagerado triunfalismo, prega que o mal já está vencido. Por isso, o crente precisa ter uma vida próspera, vitoriosa e sem sofrimento. Uma das abordagens pós-modernas da fé cristã ensina que quem está sofrendo fez algo errado. Ou encontra-se em pecado e sob o domínio de Satanás, ou não crê nem confia em Deus a ponto de contribuir financeiramente ou, então, está na igreja errada. É um Evangelho de ofertas, que nega a dor e a perda. Um Evangelho que que desconhece que a Igreja de Jesus Cristo foi gerada, no primeiro século, com perseguição e sofrimento – e que esta Igreja continua sofrendo em várias regiões do mundo por causa do nome do Senhor.
Diante do sofrimento, perguntamo-nos, perplexos: “Como pode um justo sofrer nas mãos de um Deus que diz que é bom?” O sofrimento é um mistério. Não podemos explicar como pode um justo sofrer diante de um Senhor que é bom e que tem tudo sob seu controle. Sabemos, no entanto, que o Deus das Escrituras é pai de Jesus Cristo – o Deus encarnado que sofreu conosco e sofreu por nós. Por isso, ele nos compreende e caminha conosco nas nossas dores e angústias, consolando-nos e enxugando as nossas lágrimas. Um dia, nos encontraremos com ele e, como Tomé, tocaremos nas cicatrizes de seu amor por nós. Só mesmo um Deus ferido pela tragédia humana poderia nos curar e nos salvar.
Acompanhamos José na sua biografia relatada no Gênesis e nos compadecemos de todos seus infortúnios: primeiro, o ódio de seus irmãos, que o lançaram em um poço e, para livrarem-se dele, venderam-no como escravo. Depois, foi vitima da armação de uma mulher casada que, inconformada por ser rejeitada pelo rapaz hebreu, fez o marido jogá-lo no cárcere. Mesmo assim, a Bíblia não registra reclamações ou atos de rebeldia por parte de José. Do abandono e humilhação, tornou-se um ministro poderoso do Egito. Quando uma grande fome assola Israel e seus irmãos vêm ao Egito buscar comida, é José que os recebe no palácio real. Ele os tem em suas mãos para julgá-los ou despedi-los de mãos vazias; em vez disso, ele chora e se dá a conhecer a eles. Os irmãos temem uma vingança, mas José os perdoa, dizendo que não foram eles que lhe fizeram tudo aquilo, mas Deus que, em sua providência, transformou o aparente mal em sofrera em bem para todos.
 No livro de Jó, Satanás se apresenta perante Deus e diz que ninguém o ama desinteressadamente. Na ótica diabólica, se o Senhor fizesse cessar as bênçãos sobre a vida de Jó, este se voltaria contra ele. Deus, então, dá permissão para o diabo oprimir a Jó, que perde tudo que tinha, vê a morte dos filhos e, por fim, adoece gravemente. Mesmo diante da incompreensão da própria mulher e do consolo ineficiente de seus amigos, Jó diz: “Eu sei que o meu Redentor vive, por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, não outros; de saudade me desfalece o coração dentro em mim”. Em meio à suas dores, sem entender o que lhe acontecia, Jó se entrega ao seu Senhor, expressa seu desejo e amor por ele e, cheio de esperança, sabe que o mal vai passar. Depois de tudo, quando o sofrimento cessa, ele conclui: “Eu te conhecia só de ouvir; agora meus olhos te veem.”
Em meio à humanidade que sofre, descobrimos que não somos os únicos, e que o sofrimento é parte integrante da nossa experiência existencial. Sabemos, no entanto, que o sofrimento, a maldade, a violência, a mentira, o ódio e a morte têm prazo de validade; eles são efêmeros e passageiros. A ressurreição de Jesus Cristo é o registro, no meio da História, de como será o final dessa mesma História. Ele nos assegura que somos parte de um projeto eterno, e que viveremos nossa humanidade de forma plena, sem sofrimento ou morte. Assim, para aqueles que buscam e praticam o bem, a eternidade já começou, pois o bem é eterno e o mal, passageiro.
O sofrimento nos mobiliza de tal maneira que não percebemos que ele sempre vem acompanhado. Uma companhia discreta, mas presente. A santa, bendita e doce presença do Espírito Santo, também chamado de Consolador.
Osmar Ludovico
Cristianismo Hoje

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