ESPECIAL REFORMA PROTESTANTE - Ecclesia semper reformanda


Quando acaba o primeiro amor, quando acaba a noção da dependência de Deus, quando acaba a vigilância, quando acaba a pobreza, quando já não se lê nem se ouve a Palavra de Deus, quando já não se dobra o joelho diante do Todo-poderoso — então o que resta é uma tragédia de grandes proporções e de duração imprevisível. A regra geral é: “A desgraça está um passo depois do orgulho e logo depois da vaidade vem a queda” (Pv 16.18, BV). 

Todavia, assim como a soberba chama a desgraça, a desgraça acaba chamando novos tempos: tempos de arrependimento, tempos de confissão, tempos de perdão, tempos de restauração, tempos de reforma. Assim que acontecia na história do povo eleito e tem acontecido na história da Igreja de Jesus Cristo. 

Logo após a tragédia provocada pelos escândalos dos não celibatários sacerdotes Hofni e Finéias, que, entre outros delitos, “estavam tendo relações com as mulheres que trabalhavam na entrada da Tenda Sagrada” (lugar de culto antes da construção do templo em Jerusalém) — o povo de Israel experimentou, sob a liderança de Samuel, uma reforma de ordem religiosa e moral que durou por algum tempo, até a cambalhota seguinte (1 Sm 2.22; 7.2-4). 

Bem no início do segundo milênio a Igreja estava num estado miserável. Era possível fazer um inventário dos escândalos: os desmandos da Santa Sé Apostólica, a simonia clerical, os abusos da vida monástica, as falhas do celibato e a ausência de vida simples nos próprios mosteiros. Essa situação provocou a chamada Reforma Gregoriana, cujo líder de maior expressão foi o monge italiano Pedro Damião (1007-1072). O lema adotado pelo papa de então (Gregório VII) era o versículo bíblico: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente!” (Jr 48.10). 

Bem na metade do segundo milênio, a Igreja estava outra vez em bancarrota. Os vícios eram os mesmos de 500 anos atrás e mais alguns. O celibato estava de pé, mas não impedia a prática de uniões secretas. As Escrituras Sagradas estavam jogadas nas bibliotecas dos mosteiros. Como da vez anterior, essa situação provocou a chamada Reforma Religiosa do Século 16, sob a liderança do monge alemão Martinho Lutero (1483-1546). Foi a reformatio in capite et in membris (reforma na cabeça e nos membros), tanto doutrinária como moral, que projetou outra vez só a fé como instrumento para se obter a salvação (sola fide), só a graça como providência de Deus para franquear a salvação (sola gratia) e só a Bíblia como revelação da salvação de Deus (sola scriptura). Além da Reforma Protestante, houve também a Contra-Reforma ou Reforma Católica, uma reação católica ao crescimento do protestantismo, que se fez por meio da Sociedade de Jesus, da Inquisição e do Concílio de Trento. Muito embora a motivação mais forte tenha sido o combate ao protestantismo, a Contra-Reforma produziu resultados muito positivos, inclusive no que diz respeito à reforma da então corrupta hierarquia da Igreja Católica Romana. 

Agora, bem no início do terceiro milênio, 500 anos depois da Reforma Protestante e da Reforma Católica, e 1.000 anos depois da Reforma Gregoriana, a Igreja (tanto o ramo católico como o ramo protestante) está, mais uma vez, necessitada de uma reforma urgente e profunda, antes que todos os escandalizados se afastem dela e de Jesus Cristo, o que é muito mais grave, tornando-se anti-religiosos e anticristãos. 

Em seu precioso livro Um Espinho na Carne, o padre italiano Gino Nasini, há 25 anos no Brasil, transcreve a seguinte informação extraída do National Catholic Reporter, dos Estados Unidos: Em qualquer tempo, 6% dos padres católicos devem ter-se envolvido com menores. Quatro vezes esse número de padres envolve-se sexualmente com mulheres e duas vezes esse número de padres envolve-se tanto com crianças quanto com homens (p. 174). 

A conclusão do padre Nasini não poderia ser mais oportuna: Essas estimativas devem impelir a Igreja a buscar a verdade e realmente encarar o problema do abuso entre o seu clero (p. 174). 

Nesse mesmo livro, o autor dá uma boa notícia: Alguns acreditam que dias de sofrimento e purificação estão aproximando-se depressa (p. 231). 

A atual desgraça tem de ceder terreno a novos tempos. Tempos de lágrimas, de pano de saco, de confissão, de volta, de reforma, de mudanças, de reestruturação e de redescoberta de Jesus Cristo, o Senhor inquestionável e absoluto da Igreja! 

(Retirado da edição 277 de Ultimato, jul/ago de 2002)

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