Esther Carrenho - Desejo de pertencer
O desejo de pertencer a é inerente ao ser humano. Deve ser por isso que nascemos de um homem e uma mulher, e não de uma árvore – para receber acolhimento e, desde os primeiros momentos da vida, já ter a sensação de fazer parte de algo. Quando existe a consciência do pertencimento, seja a um grupo ou a uma pessoa, fica mais fácil, também, perceber o valor intrínseco que cada um tem, e de gostar do próprio jeito de ser. Assim, construímos o amor próprio, tão necessário para que sejamos ousados e desenvolvamos todo nosso potencial quando nos vemos refletidos, aceitos e amados através do outro.
Gilberto Safra, psicólogo brasileiro, acredita que, quando este "outro" falta, fica muito difícil ao indivíduo construir uma boa imagem de si mesmo; e, sem condições para desenvolver o amor a si mesmo, faltarão a ele, também, os recursos para amar o outro, como Cristo mandou.
É no início de novas etapas no calendário, como as viradas do ano ou os aniversários, que mais as pessoas se dão conta da realidade de que, muitas vezes, não pertencem a um grupo consenguíneo e se sentem sem importância para alguém. E, mesmo quando tal vínculo existe, os modelos de família mudaram muito. Hoje, temos famílias só com um dos pais e seus filhos; há, também, famílias com duas mães – ou dois pais – e filhos e aquelas onde se tem mais que uma mãe e mais que um pai. É na família que uma criança tem a possibilidade de errar e ser aceita novamente. Ela pode até ser punida e sofrer alguma consequência pelo seu erro; mas é no ambiente da família que se deveria ter a possibilidade do acerto após o erro, sem que o faltoso seja excluído do núcleo por isso.
Família é o ambiente onde se pode errar e recomeçar diversas vezes. Talvez, seja só na família que temos a oportunidade de perdoar setenta vezes sete: em qualquer outro relacionamento, desistimos nas primeiras repetições. O que fazer, então, quando muitos perdem sua família de origem? Como podem viver aqueles que são atingidos pelas tragédias e se veem órfãos? E os que não são amados e, muito menos, aceitos e percebem que não pertencem ao grupo familiar; ou os que são desamparados ou abandonados e experimentam na própria pele os horrores da perda dos vínculos com o que era conhecido? Qual pode ser a saída, se nem todos têm a possibilidade de ser recebidos no calor da própria família?
Os institutos da adoção e da tutela têm, é verdade, ajudado muitos a reconstruir, ou até mesmo construir, laços e vínculos inexistentes ou perdidos, conferindo ao ser humano uma sensação de pertencimento. Muito, porém, vão pela vida sem a oportunidade de reencontrar a possibilidade de ser vinculado e, consequentemente, de construir novos vínculos. Talvez por isso, não é difícil encontrar pais e mães com tanta dificuldade em fazer laços duradouros com os próprios filhos.
A boa notícia, e eu creio nisso firmemente, é que ainda há esperança para os que foram deixados à margem. Deus fez a família com o objetivo de que nela sempre houvesse um núcleo de amor que aceita, restaura e inclui; mas a realidade nem sempre é assim. Muitas famílias são disfuncionais e falham. Então, com o advento de Cristo Jesus, há a possibilidade de cada um ser aceito e incluído, sentindo-se parte de algo, através da fé. O convite é pessoal: Cristo nos convida a irmos a ele como estamos, na promessa de que não seremos lançados fora. Se, no Antigo Testamento, os grupos familiares são destacados, no Novo o convite é para o indivíduo: "Vinde a mim todos os cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei". Na vida adulta, é possível caminhar por si mesmo e escolher experimentar as inclusões disponíveis. O movimento, agora, não depende mais de um outro ser humano. A própria pessoa – seja ela órfã, desfilhada, sozinha –, mesmo aquela que está sem possibilidade de se vincular e se sentir fazendo parte de um grupo, poderá olhar para cima e caminhar na direção do Deus que se fez gente em Cristo Jesus e aceitar o convite que ele nos faz a todos: "Como o Pai me amou, também eu vos amei; permanecei no meu amor" (João 15.9).
Cristianismo Hoje
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