Não à ostentação…. Sim à cura
Infelizmente não vou poder participar da Consulta Teológica e Pastoral: Uma Chamada à Humildade, à Integridade e à Simplicidade nos dias 3 a 5 de abril (aliancaevangelica.org.br/consultateologica/). Mas nem por isto eu não queria dar o meu apoio ao evento. E para este fim, ofereço a seguinte reflexão…
Depois disso o Senhor escolheu mais setenta e dois dos seus seguidores e os enviou de dois em dois a fim de que fossem adiante dele para cada cidade e lugar aonde ele tinha de ir…. Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias. E não parem no caminho para cumprimentar ninguém…. Curem os doentes daquela cidade e digam ao povo dali: “O Reino de Deus chegou até vocês.” – Lucas 10.1, 4, 9 (NTLH)
O texto citado faz parte da passagem maior, Lucas 10.1-24, sobre o envio dos 72 (ou 70, ninguém sabe ao certo) discípulos para as cidades especialmente da Transjordânia, depois do ministério de Jesus na Galileia e a caminho, agora, para Jerusalém. A passagem é especialmente instrutiva porque as instruções aos 72 são praticamente as mesmas dadas para os 12 no capítulo anterior. Ou seja, indicam muito mais um padrão de envio a ser seguido do que uma peculiaridade desta missão específica. São estas instruções que nos interessam porque apesar de não podermos reproduzi-las ao pé da letra, mesmo assim, já servem de bom parâmetro de como o ministério deve ser exercido do ponto de vista de Jesus. Eventualmente, seria interessante comparar estas instruções com os hábitos dos apóstolos e evangelistas nas Cartas do Novo Testamento para ver se um padrão emerge. Mas por hora, nos contentamos com estas instruções de Lucas 10.
É importante dizer que qualquer uma das instruções pode ser considerada simplesmente ocasional, mas a soma de todas é muito mais difícil ignorar. Há muito que se pode ressaltar desta passagem. Vou focar apenas duas observações. Primeiro, o ministério que Jesus promove intencionalmente evita a ostentação. Segundo, nem por isso, o ministério de cura é desenfatizado. Pelo contrário, a primeira manifestação concreta da chegada do governo de Deus em Jesus Cristo é a cura. Tanto que, nesta passagem a cura precede até o anúncio verbal do evangelho. Vamos ver com mais detalhes estas duas teses e refletir sobre as suas implicações para o ministério hoje…
Primeiro, o ministério que Jesus promove intencionalmente evita a ostentação. O acúmulo de suas instruções leva a esta conclusão. Os indícios são os seguintes. Primeiro, devem viajar em pares (10.1). Tipicamente se comenta que há dois propósitos nisto: o apoio mútuo que viajar em dois proporciona e a ideia que a verdade das afirmações é confirmada por duas testemunhas (Dt 19.15; Nm 35.30). Mas há mais. Quando se viajam em dois há mais prestação de contas e, por isso, menos possibilidade de se ostentar. Não se trata de prevenção, mas apenas de maior controle.
Mais explicitamente sobre a ostentação é a instrução acerca de bagagem. Os discípulos não devem levar “bolsa, nem sacola, nem sandálias” (10.6; veja 9.3). A bolsa (pēra) se refere possivelmente à bolsa dos mendigos. O discípulo de Jesus não é “pidão”. A sacola (ballantion), por sua vez, provavelmente se referia a mala que os filósofos itinerantes levavam para proferir as suas palestras elegantes nas praças públicas (veja 1Co 1.20-21). Para nós hoje, pode parecer pouca coisa, mas na época, a bagagem representava a autonomia e certo conforto para os “grandiosos”. Os discípulos de Jesus não devem se apresentar assim. Pelo contrário, devem depender dos recursos locais dos seus hospedeiros, dispensando até da necessidade de um segundo par de sandálias.
A proibição de cumprimentar as pessoas no caminho (10.4) também enfatiza tanto a urgência da tarefa de demonstrar e anunciar a chegada do governo de Deus quanto a necessidade de se evitar as cortesias tradicionais que poderiam subir à cabeça dos discípulos e assim, novamente, sabotar a humildade e espírito altruísta de servir, que são características justamente do governo que os discípulos anunciam e encarnam.
As acomodações procuradas também refletem a mensagem que os discípulos são incumbidos de demonstrar (10.5-8; veja 9.4). Ficam onde são recebidos e comem o que for oferecido. Nada de exigências e nem de recusas de pessoas de boas ou modestas condições de hospedagem. O único critério apropriado para aceitar ou não a acomodação é se procede de “um homem de paz”, ou seja, de alguém que aceita a mensagem da paz.
Há muito mais que se pode falar a respeito das instruções de Jesus para os 72(70). Mas creio que estas observações mais específicas são suficientes para indicar que a ostentação nega o teor da mensagem da chegada do governo de Deus, que trata todos com compaixão e até favorece as pessoas mais marginalizadas (veja, por exemplo, a parábola do Grande Banquete).
Ao mesmo tempo, Jesus explicitamente ordena aos discípulos que curem os doentes. Aliás, a cura dos doentes até precede o anúncio da chegada do governo de Deus. E isto se enquadra dentro da mesmo lógica da proibição de ostentação. Ou seja, da mesma forma que o estilo de vida e a convivência dos discípulos devem refletir o teor da mensagem anunciada, justamente para dar credibilidade à mesma, do mesmo modo, esta mensagem precisa ser demonstrada na vida dos seus ouvintes. E isto se faz através do ministério de cura. E neste caso, a incumbência de curar está dentro da mesma linguagem (de ordem) das proibições. Os discípulos recebem a ordem de curar os doentes. E a autoridade para realizar curas é explicitada logo em seguida com a visão da queda de Satanás (10.18-19). Assim, os discípulos não precisam aguardar mais ou até pedir permissão. Jesus já conquistou a prerrogativa e já deu a ordem.
A proibição de ostentação e a ordem de curar os doentes não se contradizem mas se coadunam. Ambas fogem da dimensão meramente espiritual da fé e insistem em materializá-la, a primeira, pelo convivência dos discípulos, e o segundo, pela ação concreta na vida dos que recebem a mensagem. Esta foi a instrução de Jesus para os 72, à semelhança da sua instrução para os 12. Era, por sinal, o estilo de ministério também de Jesus e é possível estender este estudo para o caso dos apóstolos no Livro de Atos e nas Cartas. Não pode ser diferente para nós hoje.
Tim Carriker
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