Jénerson Alves - Água no ouvido
- Sabe aquela sensação de quando entra água no ouvido?
É assim que estou me sentindo...
Ele tentou explicar mais, porém o amigo simplesmente levantou-se da mesa e foi embora.
Era o último dia de Carnaval. Estavam na praia. Já era tradição.
O mesmo grupo de amigos, que há tantos anos fugia do fuzuê da cidade para desfrutar de um espaço mais pacato, próximo à natureza.
Quantos momentos felizes não já tiveram juntos?
Eram um por todos e todos por um.
Na verdade, todos formavam um. E um não era nada sem os outros.
Sempre que estavam reunidos, reinava a alegria.
Menos naquele dia. Estava tudo confuso. Muito confuso.
O clima estava um tanto triste.
Parece que a galera realmente não estava com saco para voltar à luta diária. Trabalho, trabalho, trabalho.
O que chamamos de vida normalmente é aquilo que nos escraviza.
Quando o trabalho perde o sentido existencial, torna-se um simples mecanismo de conseguir recursos e suga a seiva da vida dos profissionais.
“É apenas isso”, foi o que pensou.
Mas não. A cada instante, ficou mais deslocado.
Na verdade, parece que ninguém mais o via.
Tudo ia perdendo a razão de ser.
Voltaram para casa, mas não houve quem conversasse com ele durante todo o percurso na van.
Toda tentativa de diálogo era vã.
Com o passar dos dias, tudo isso começou a piorar.
E sabe aquela sensação de quando entra água no ouvido?
Era mesmo assim...
Engraçado...
Aliás, engraçado, nada! (Que costume de chamar de ‘engraçado’ o que não há graça nenhuma)
Estranho! Talvez essa seja a palavra.
Estranho que, com o tempo, apenas essa sensação era o que ele sentia.
Ninguém mais o deu ouvidos.
E, sem interlocutores, ele próprio foi deixando de falar.
Passaram-se semanas, meses...
E nem a sua própria voz ele mais reconhecia.
Em silêncio, ia sucumbindo sua existência.
Sem convites para festas ou outras reuniões nos fins de semana, o seu cotidiano ficou sem gosto.
E só permanecia aquela sensação de quando entra água no ouvido...
Até no escritório havia sido ignorado.
Outro dia, deparou-se com um rapazinho sentado na sua mesa.
Então, optou por não mais voltar a trabalhar.
Algum dia iriam sentir sua falta.
Iriam telefonar, mandar e-mail, mensagem, correspondência... qualquer coisa.
Iriam sentir sua falta.
Iriam.
Iriam...
Jénerson Alves
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