Transtorno de déficit de autoridade

Minha família me deu de presente duas camisetas. Uma diz: "É bom ser rainha"; a outra: "Meu estilo de vida: não ter dinheiro ou fama".

Para mim, essas duas bem-humoradas mensagens capturam o "x" da questão quando se trata do paradoxo da autoridade pastoral. De um lado, nós, pastores, ocupamos uma posição privilegiada no topo da estrutura de poder das igrejas. Lançamos a visão, lideramos, ensinamos e até disciplinamos. Mas, ao mesmo tempo, somos servos e lutamos para seguir o exemplo de liderança deixado por Jesus, o qual se humilhou, recusando-se a apegar-se a qualquer forma de poder temporal.

Talvez essa tensão seja melhor compreendida se olharmos para os dois tipos de autoridade pastoral: a posicional e a que é conquistada. A primeira nos é dada em virtude de nossos títulos, de nossas credenciais e pode ser reforçada (ou enfraquecida, dependendo do caso) por fatores tais como idade, gênero ou nível educacional. Já a autoridade conquistada é menos tangível, mas tão importante quanto. É algo que vamos acumulando ao longo do tempo, na medida em que demonstramos substância espiritual e habilidades de liderança, enquanto servimos às pessoas. Todo pastor precisa dessa conquista, pois, se depender apenas da autoridade posicional, não durará muito no cargo.

Entretanto, para alguns de nós, conquistar a autoridade torna-se crucial, principalmente, se estivermos desprovidos de alguns traços que nos garantiriam, de pronto, a autoridade posicional. Talvez não tenhamos concluído o curso teológico, sejamos muito jovens ou, como no meu caso, o problema é pertencer ao gênero "errado". O que tenho descoberto, no entanto, é que a falta da autoridade posicional pode ser uma bênção que nos traz à lembrança o modelo de liderança de Jesus.

Meu marido Doug e eu já fizemos parte do staff de três igrejas – duas vezes como pastores auxiliares e uma como co-presidentes. Em todos os casos, a autoridade posicional foi conferida a Doug logo no início. Claro que seu grau de autoridade poderia variar, dependendo de seu desempenho, sua identificação com os membros ou com a situação política da igreja no momento. Mas o fato é que ele já começava a trabalhar com um superávit de autoridade.

Mas minha experiência como mulher tem sido diferente, pois meu papel pastoral não vem previamente coroado de autoridade posicional. A credibilidade precisa ser conquistada, palavra por palavra, ação por ação, pessoa a pessoa. Em uma dessas igrejas, todas as vezes em que eu pregava, um dos líderes vinha até mim, no final do culto, apertava a minha mão e exclamava: "Foi realmente um ótimo sermão!" Aparentemente, para aquele homem, o fato de uma mulher ter a capacidade de pregar uma mensagem persuasiva era algo anormal.

Experiências como essa me mostraram, ao longo do tempo, que minha autoridade jamais seria reconhecida pelas pessoas de forma automática. Veja, não estou reclamando. Na verdade, isso tem sido um fortificante para o meu ministério. Alguns pastores se fiam muito na autoridade posicional, esquecendo-se que, nesse caso, o poder é precário, estando sujeito aos caprichos das pessoas e às vicissitudes da vida congregacional. Se nos apoiarmos demasiadamente nesse tipo de autoridade, estaremos fadados à decepção.

DESISTINDO DE TER O PODER

Quando qualquer pastor assume uma igreja, ele recebe, automaticamente, quantidades generosas de capital posicional. Entretanto, as cheias e vazantes de sua maré de autoridade vão variar de acordo com o humor dos manda-chuvas da igreja. Quando essas pessoas não estiverem do lado do pastor, invariavelmente, sua posição e autoridade serão questionadas. Mas, do contrário, se estiverem a favor, seu poder aumentará grandemente. Essa dinâmica acaba por criar perigosas tentações para o líder. Ele poderá pensar em dedicar mais tempo e atenção aos manda-chuvas da congregação, em detrimento dos demais membros, a fim de assegurar sua autoridade. Ou pode, ainda, ser tentado a fazer tudo o que "funcione" para agradar os poderosos, em vez de considerar os verdadeiros métodos bíblicos de liderança.

Nada há de errado com a autoridade posicional em si, mas depender somente dela pode ser muito perigoso. Todos os dias, em meu ministério, eu sinto a tensão existente entre o poder posicional e o chamado para viver o tipo de autoridade exercida por Jesus. Não quero fazer política nem me esconder atrás de um título, mas, sim, liderar como serva. Parece-me, sinceramente, que as coisas seriam muito mais fáceis e eficientes se apenas pudesse tanger as cordas do poder posicional, investindo nos membros mais influentes da congregação, mantendo-os ao meu lado.

Mas é interessante como Jesus abriu mão completamente desse tipo de poder. Ele trocou o Céu pela terra, "esvaziou-se a si mesmo", abriu mão de suas prerrogativas divinas e resistiu à tentação do diabo, que pretendia levá-lO a reivindicar prematuramente o seu poder. Como pastores, enfrentamos tentações parecidas. É muito fácil reivindicar poder com base em um título ou "comprovar" o nosso direito de liderar, uma vez que construímos um grande ministério.
No entanto, a autoridade pastoral não vem dos sinais aparentes de sucesso ministerial ou da posição que se tenha em uma hierarquia. Como já disse o teólogo norte-americano Richard Foster: "A autoridade à qual Jesus se referiu não tinha a ver com estruturas de poder." É algo que vem, primordialmente, por meio do serviço e do sacrifício, e com limites. Jesus não liderava com poder político e econômico. Sua autoridade residia em um coração submisso e unido à vontade do Pai.

Os pastores que, de fato, detêm a autoridade bíblica se identificam com Jesus em sua humildade, fragilidade e no esvaziamento do "eu". Não estão em uma corrida de velocidade cujo prêmio é obter uma igreja maior ou credenciais mais impressionantes. Suas vidas não refletem uma escalada ascendente, mas descendente, no sentido de estarem sempre dando suas vidas para servir aos outros.

Esse tipo de autoridade não pode ser dada por uma instituição. Tampouco pode ser amealhada através da formação acadêmica ou da experiência. Também não vem do fato de o ministro ser uma pessoa carismática e extrovertida, ou de ele estar em evidência.

A autoridade pastoral, em última instância, é o dom de poder amar e servir ao rebanho da mesma forma que Jesus fez. Ela vem de dentro e emana da comunhão com Cristo. E é dessa comunhão que surgem a compaixão e o amor que se tornam a marca de tudo o que fazemos.
Jesus redefiniu o conceito de liderança como sendo a forma de servir – anonimamente. Os servos, quase sempre, são pessoas anônimas e menosprezadas. Raramente lembramos seus nomes. É o que acontece com garçonetes, comissárias de bordo, técnicos de enfermagem e zeladores, pessoas cujas individualidades acabam sendo ofuscadas por seus papéis e funções. Jesus viveu entre nós dessa forma, como "aquele que servia".
Mas será que realmente almejamos ser servos? Não, nossa tendência é sempre lutar para chegar ao topo. Resistimos fortemente a permanecer no anonimato, de sermos alguém "sem reputação", especialmente quando se é pastor. Anelamos pela autoridade posicional.

QUANDO A AUTORIDADE É TESTADA

Todo pastor que conheço já passou por crises de liderança e teve sua autoridade questionada. Conduzir uma igreja não é para os de coração fraco. Você tem de estar lá na frente, liderando, estabelecendo a visão e dizendo coisas duras. Mas, frequentemente, esses desafios, embora difíceis, são, na verdade, oportunidades disfarçadas, pois nos levam a tomar uma importante decisão sobre como vamos exercer a nossa autoridade. De duas, uma: ou vamos apelar para nossos superiores e nos esconder atrás de nossos títulos, ou escolher o caminho difícil e humilde de Jesus.
Houve um momento em meu ministério em que um casal da igreja decidiu que eu "precisava sair". Decidi, então, agendar um encontro com eles a fim de ouvir seus argumentos. Não foi fácil. Tive de enfrentar, durante duas horas, uma verdadeira reprimenda em que foram apontadas todas as minhas falhas como líder. Mas, no fim de tudo, percebi que, no cerne de todas as críticas feitas a mim por aquele casal, estava o seu desejo de ser ouvido. Eles queriam que "a autoridade" prestasse atenção no que diziam e os levasse a sério. Ouvi-los fez uma grande diferença e, no fim das contas, não "precisei sair".

Em outra situação, um membro da igreja questionou escolha que fiz de livros para uma classe na qual eu ensinava e exigia que eu mudasse o currículo. Tentei ser condescendente, oferecendo-lhe material alternativo para leitura. Encontrei dois títulos diferentes sobre o assunto e os ofereci, de presente, mas a mulher, ainda descontente, recusou ambos. Embora tenha falhado em agradá-la, essa situação tão desafiadora teve um desfecho surpreendente. Minha autoridade cresceu aos olhos das outras pessoas da classe e, mais tarde, aqueles livros "perigosos", foram sendo passados de mão em mão e lidos cada vez mais. Descobri, assim que a autoridade é uma coisa estranha. Corra atrás e ela fugirá de você. Desista de buscá-la e ela virá ao seu encontro.

Tenho atuado como pastora auxiliar há apenas três anos, e a maior parte de minha experiência ministerial não foi no topo da pirâmide do poder. Todavia, conheço bem a dolorosa realidade da liderança, pois as pessoas são capazes de ser maldosas e insubmissas com qualquer integrante da equipe pastoral.
Sei que todo mundo tem "problemas de autoridade". Alguns resistem à autoridade. Outros querem a aprovação da autoridade, outros querem ser a autoridade e pensam que sabem exatamente como a igreja deve funcionar. De fato, em todas as situações, ao longo de meu ministério, em que fui atacada, caluniada ou que "puxaram meu tapete", a questão da autoridade estava envolvida.

Frequentemente, as pessoas tinham muito mais do que uma reclamação ou sofismas: tinham a sua própria agenda estabelecida. Todas as vezes em que eu não atingia as suas expectativas, elas tomavam sobre si o manto da autoridade e vinham atrás de mim com todo o poder que conseguissem reunir. Afinal, Deus e o futuro da igreja estavam sempre do lado deles e a verdade era o que estava em jogo.

Nesses momentos, tinha de decidir: será nessa praia que vou morrer? Devo defender-me? Devo correr o risco, mesmo sabendo que nenhuma voz se levantará em minha defesa? Como posso preservar meu ministério sem contratacar? Quanto estou disposto a ser como Jesus?

Na Última Ceia, quando os discípulos estavam discutindo acerca de suas posições na hierarquia apostólica, Jesus, tentou, pela última vez, tornar clara a Sua visão do Reino. "Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve. Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve." (Lc 22:25-27, ARA)

Essa é uma visão radical de liderança, um tapa na cara da sabedoria convencional, 
colocando a submissão e o serviço acima da conquista de posições e poder. Creio que, somente quando abraçamos essa visão em nossos ministérios, é que, verdadeiramente, passamos a seguir os passos Daquele que veio para servir e descobrimos o que é a verdadeira autoridade.

Adele Calhoun é co-pastora presidente da Comunidade do Redentor, em Wellesley (Massachusetts)

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