Aliança estratégica

Igrejas de todo o país realizam dia após dia ações de cunho social, mas poucas conseguem obter resultados satisfatórios. Não que falte vontade de mudar a realidade da comunidade em volta do templo. Na maioria das vezes, o problema está na estratégia, na maneira pela qual vem atuando o departamento de assistência social eclesiástico. E, de modo geral, as lideranças não dispõe de conhecimentos e métodos de governança que ajudem a igreja a fazer – de fato – diferença junto à população mais carente, transformando sua realidade.

Agora, as igrejas evangélicas contam com um aliado que detém não só ampla experiência em governança, como também tecnologia e instrumentos capazes de ajudá-las a ir além da prática do assistencialismo e das ações sociais pontuais: a filial brasileira do ChildFund – instituição do Terceiro Setor dedicada a transformar vidas de crianças, adolescentes e jovens que vivem em situação de privação, exclusão e vulnerabilidade social – está alinhavando uma parceria com algumas igrejas no desenvolvimento de projetos sociais.

À frente desse projeto está o paulista Gerson Pacheco, 58 anos, diretor nacional do ChildFund Brasil e ex-executivo da Xerox, multinacional a qual esteve ligado por 32 anos. "Escolhemos 12 igrejas para fazer uma aliança estratégica. A ideia é usar nossa experiência com governança, gestão de projetos, desenvolvimento comunitário e mobilização de recursos para auxiliar a igreja", informa Pacheco, administrador de empresas, com extensão em Finanças e em Marketing, e membro da Igreja Presbiteriana Betânia em Niterói (RJ).
Entusiasta dessa parceria, ele lembra que ferramentas e metodologias para atacar o problema da pobreza e da extrema miséria não faltam ao ChildFund, instituição fundada e sediada em Richmond, Virgínia (EUA), que opera em 55 nações e que está no Brasil desde 1966. Homem "viajado" – na época em que trabalhou na Xerox, passou por países da América do Sul e da Europa, morou na Inglaterra (por breve tempo) e em algumas cidades brasileiras tais como Brasília (DF) e Campo Grande (MS) –, Pacheco foi a lugares atendidos pela entidade no exterior e conhece bem de perto as carências brasileiras. "São 16 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza. Desses 16 milhões, oito milhões são crianças", destaca ele.

Convencido de que as igrejas precisam de uma administração moderna para cuidar do social, que ele chama de "governança eclesiástica", Gerson Pacheco deu o pontapé inicial à essa aliança estratégica através de um projeto-piloto na Igreja Batista Central de Belo Horizonte (MG). É sobre essa parceria que ele conversou com LIDERANÇA HOJE nesta entrevista:

LIDERANÇA HOJE - De onde surgiu a ideia dessa aliança entre o ChildFund Brasil e as igrejas?
DR. GERSON PACHECO - Surgiu de uma conversa com alguns pastores que visitavam o ChildFund Brasil e que queriam saber, por exemplo, sobre mobilização comunitária e gestão de projetos. Alguns pastores diziam: "Eu os vejo trabalhando em algumas regiões. Vejo que, no social, vocês têm um resultado fantástico. Dá para ensinar um pouco disso para a gente?". Foi nessa conversa que resolvemos formatar e estruturar essa parceria com as igrejas. Escolhemos 12 igrejas para fazer com elas uma aliança estratégica, ajudando-as em suas localidades. Essas igrejas já têm um projeto na sua região e nós vamos levar para elas nossas tecnologias e metodologias, mostrando como trabalhamos em governança, gestão de projetos, desenvolvimento comunitário e mobilização de recursos. A ideia é colocar nossa experiência à disposição da igreja.

Quais são as bases desse projeto?
Você só consegue fazer um trabalho social de impacto se realmente ouvir a comunidade, se fizer diagnósticos comunitários e um planejamento de longo prazo naquele local. Para que aconteça o impacto social na comunidade, é preciso trabalhar com gestão de projetos e mobilização de recursos. Para isso, você precisa de voluntários. O ChildFund Brasil tem essas metodologias há quase 75 anos no mundo e há mais de 45 anos no Brasil. Somos referência em ferramentas de governança, de desenvolvimento comunitário e gestão.
O trabalho do ChildFund Brasil com as igrejas tem três grandes vertentes: 1ª) Ajudar as igrejas na sua ação social, no seu impacto social, na sua geografia, capacitando-as em metodologias e tecnologias mais atualizadas de gestão social; 2ª) Convidar a igreja a fazer um projeto de longo prazo, de 10 a 15 anos, em uma área de miséria; 3ª) Levar um pouco da experiência do ChildFund Brasil na luta por direitos e trazer a Igreja para essa conversa.
Para isso, estamos convidando essas igrejas a escolherem conosco um lugar de extrema pobreza no Brasil. A ação social na localidade será feita pela igreja, com a consultoria, a assessoria e o suporte do ChildFund Brasil.

Essas 12 igrejas já estão escolhidas?
Estamos com um projeto-piloto na Igreja Batista Central de Belo Horizonte (MG), do Pr. Paulo Mazoni. A partir desse piloto, que está em andamento e que já se encontra na fase de planejamento, a gente vem conversando com as denominações batista, presbiteriana, metodista, anglicana e a católica, para definir as igrejas que vão abraçar esse projeto com a gente.

Qual é o papel do ChildFund Brasil nessa parceria com a Igreja Brasileira?
O que estamos fazendo é levar o aprendizado do ChildFund Brasil para o campo eclesiástico – o que estamos chamando de 'governança eclesiástica'. Nossa instituição faz parte de um grupo criado pela Fundação Dom Cabral – que é uma das dez melhores universidades do mundo e que têm uma forte abordagem de governança voltada para o mundo empresarial – chamado de POS - Parcerias de Organizações Sociais, através do qual estão sendo construídos os fundamentos da governança do Terceiro Setor. Em paralelo, com esse aprendizado, mas sem o envolvimento da Fundação Dom Cabral, estamos capturando esses conhecimentos, tentando customizar e aclimatar o espírito de governança para o campo eclesiástico.
Queremos que a Igreja olhe para o tema socioambiental, buscando usar essas experiências (o que o inglês chama de benchmarking), copiando, adaptando, olhando e trazendo para dentro dela o que há de melhor para executar a tarefa (na área social) com excelência. O ChildFund Brasil está abrindo, escancarando as portas para que a igreja – não só a essas 12, como também pode ampliar essa parceria com seminários e outras linhas de capacitação –, que tenha a visão e o sonho de ter um trabalho social de excelência e de relevância, conheça o que a gente faz. Esse é o objetivo. Há muitas igrejas que já estão fazendo seu trabalho social e que querem aprimorá-lo.

Trata-se da profissionalização da administração eclesiástica na área social?
O funcionamento da governança no Terceiro Setor é uma questão muito importante, porque ele precisa de transparência, de membros de uma assembleia com muito trabalho e ação, de voluntários, de um conselho de administração e de um bom conselho fiscal. E há uma coisa muito importante nesse processo: esses membros dos conselhos de administração e fiscal pagam com seus bens pessoais se a organização não for bem administrada. Então, por conta disso é preciso ter uma governança.
Nesses anos em que a gente vem trabalhando com governança, e que temos sido assessorados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), pela Fundação Dom Cabral e por outros institutos internacionais, entendemos que a igreja também precisa ter esse olhar, precisa questionar: Como é a minha governança? Ela tem a congregação, que é a assembleia, um dos pilares da governança; um conselho de diáconos ou de presbíteros, e um corpo de direção, um grupo de pastores. Como esses três organismos se relacionam?
A igreja tem ordenanças claras de adoração, ministração, evangelização, implantação de igrejas, missões, ação social, capacitação de lideranças, etc. É a sua coluna central. Mas ela também tem áreas de contabilidade, tesouraria, controladoria, tecnologia, etc. Como mobilizar a congregação para receber as crianças? A igreja que oferece isso seduz os pais de hoje. Mas deve saber também cuidar dos adolescentes, dos jovens, dos adultos... Só essas coisas já evidenciam que a igreja precisa ter um processo de governança. Mas ela não precisa reinventar a roda. Ela pode ver o que o Primeiro Setor fez, olhar o que estamos fazendo no Terceiro Setor, e, a partir daí, já com o caminho muito bem percorrido, trazer para dentro da igreja esse processo e fazer uma customização.

Mas esse tipo de projeto não colocaria em risco a autoridade do pastor perante a igreja?
Não. Além disso, esse não é o nosso propósito com este projeto. Nosso objetivo é dizer ao núcleo da igreja – considerando que já se despertou e que vem tomando uma série de iniciativas de ação socioambiental – que queremos ajudar, para que ela tenha excelência na área social. Só que isso, isolado da governança, fica empobrecido. Então, quando a igreja se propõe a ser muito efetiva na plantação de igrejas, missões e ação social, ela realmente não pode deixar de pensar na governança. Mas o envolvimento do ChildFund Brasil se dará apenas na área social, dando à igreja as boas práticas de como fazer melhor esse trabalho.

Nunca se falou tanto em governança corporativa no Brasil e, pelo visto, esse conceito está chegando ao Terceiro Setor. O senhor acredita que as igrejas precisam implementar modelos de governança?
Sim, mas, nesse caso, é preciso ter um grupo – independentemente de denominação – que faça a gestão da governança eclesiástica. O social é um elemento importante, mas muitas vezes fica esquecido porque a igreja não vê o panorama todo de governança.

O que a governança pode fazer pela igreja?
Por exemplo, ela permite que a equipe pastoral fique muito dedicada no seu core (núcleo) e que a igreja tenha profissionais voluntários ou remunerados que cuidem da sua área de apoio; vai permitir que a igreja construa a sua visão e o seu planejamento estratégico de médio e longo prazos, e coloca as competências existentes na igreja para trabalhar dentro desses ministérios, projetos e iniciativas. Na verdade, a igreja também deveria ter uma gestão por projeto, o que seria muito eficiente. Sem dúvida, essas coisas todas fariam com que cada um estivesse na sua área, potencializando o trabalho – algo que acontece no Terceiro Setor.

Quais as vantagens de existir dentro da estrutura da igreja uma administração baseada no conceito de governança eclesiástica?
Em primeiro lugar, você vai assegurar resultados, vai medir resultados, vai conseguir separar o que é estratégico, tático e operacional. As pessoas da igreja vão encontrar um ambiente, uma estrutura onde eles possam trabalhar, transformando a sua ação na obra de Deus em algo muito mais produtivo. Vão encontrar uma estrutura que é transparente, de excelência e de eficiência.
Em segundo lugar, lembro que a decisão é compartilhada. Tem de ser tomada por um pastor (ou por uma equipe de pastores), por um grupo de diáconos, presbíteros e líderes, e pela assembleia.

As pessoas vão passar a olhar para os projetos sociais já existentes dentro da igreja de outra maneira?
Elas devem se sentir orgulhosas pelo fato de a igreja estar fazendo um projeto de sustentabilidade, de transformação de vidas. A igreja precisa estar aberta para fazer projetos sociais com resultado e impacto.

Há casos no Brasil de associações evangélicas que faliram e que, com seus fechamentos, as dívidas advindas de obrigações trabalhistas e previdenciárias, por exemplo, recaíram sobre membros de seus conselhos. Como evitar que esse tipo de problema ocorra dentro desse modelo de governança eclesiástica?
A governança traz um componente que evita isso: transparência, publicação dos relatórios... Tudo bem arrumadinho. As pessoas que tiveram seus bens pessoais hipotecados, por serem obrigadas a honrar dívidas pela legislação brasileira, sofreram isso porque não foram acompanhadas de uma boa governança. Se tivessem lido, esse problema não teria acontecido. Nunca vai deixar de haver risco, mas, com a governança, esse risco será minimizado.
As pessoas entram confiando que as pessoas que estão à frente são boas. Não pode ser assim. Elas têm de exigir reuniões por serem membros do Conselho de Administração, para participar e saber o que está sendo feito. Elas devem exigir que seja feita uma reserva financeira se houver algum problema.

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