“A família é a raiz de tudo”

Nancy Gonçalves Dusilek relembra o drama vivido em seu casamento e conta como Deus restaurou a sua família.

Foi em uma tarde de forte calor no Rio de Janeiro (RJ) que LIDERANÇA HOJE encontrou com a professora paulista Nancy Gonçalves Dusilek, 68 anos, em sua congregação, a Igreja Batista Itacuruçá, na Tijuca, na zona norte carioca. Durante pouco mais de uma hora de entrevista, ela, viúva desde agosto de 2007, lembrou de sua infância, de sua formação religiosa e acadêmica, do casamento com o então seminarista Darci Dusilek, em Suzano (SP), do tempo (17 anos) em que morou no Seminário Batista do Sul do Brasil, no Rio, e do casal de filhos que ali gerou – o pastor Sérgio Ricardo, hoje com 41 anos, e Heloísa Helena, 37, formada em Comércio Exterior e que trabalha nessa área.
Bacharel em Educação Religiosa pelo IBER, licenciada em Letras pela Universidade Veiga de Almeida (RJ) e titular da cadeira nº8 da Academia Evangélica de Letras do Brasil (AELB) desde 2010, recordou a época em que, por dez anos, morou em Belo Horizonte (MG), período (1985-1995) em que o Pr. Darci foi diretor da Visão Mundial - Brasil. Falou ainda do retorno ao Rio de Janeiro, quando seu esposo assumiu o pastorado da Igreja Batista Itacuruçá e, posteriormente, a presidência da Convenção Batista Brasileira (CBB).
Conferencista nas áreas de família e de liderança e autora de livros como Mulher sem nome (Editora Vida),Descobrindo e capacitando líderes (Convicção Editora); Liderança cristã: a arte de crescer com as pessoas(UFMBB) e O grito das incluídas (Editora Vida), Nancy Dusilek, primeira vice-presidente da Convenção Batista Brasileira (CBB), trouxe à memória o deserto pelo qual passou quando seu marido, num aconselhamento, acabou se envolvendo com uma pessoa e saiu de casa. Depois contou como aconteceu a restauração de seu casamento, discorreu sobre a formação de líderes e expressou sua preocupação com a situação dos lares.

LIDERANÇA HOJE - A senhora nasceu em um lar evangélico, certo?
NANCY DUSILEK - Sim, sou nascida e criada em lar evangélico. Meus pais eram evangélicos, assim como os familiares de meu pai. A minha mãe era católica, quando casou com meu pai. Ela estava atrás da verdade, mas, um dia, foi à igreja com meu pai e aceitou a Cristo. Meu pai era evangelista e minha mãe era líder de união feminina. Minha infância e adolescência foi muito tranquila. Morava perto da igreja em Suzano (SP) e, com 7 anos, já era presidente da sociedade de crianças. Depois, fomos uma cidade próxima chamada Brás Cubas. Meu pai foi evangelista e ali começou um ponto de pregação. Aos 13 anos, era professora de crianças da Escola Bíblica Dominical. Então, sempre exerci, junto com eles, as tarefas que eles me atribuíam. Eles me ensinavam e me ajudavam, e eu estava junto com eles.

Como a senhora conheceu o pastor Darci? Quando e onde se casaram?
Quando eu estava com 21 anos trabalhava em um banco em Suzano e senti o desejo de fazer Educação Religiosa. Na época, há quase 50 anos, esse curso só existia aqui no Rio de Janeiro. Era no Instituto de Treinamento Cristão (ITC), que depois passou a chamar-se Instituto Batista de Educação Religiosa (IBER), atual Centro Integrado de Educação e Missões (CIEM). Então deixei o banco e vim para cá em 1965. E quando fui para a igreja fazer o estágio, na Segunda Igreja de Inhaúma, conheci o seminarista que estava vindo do Paraná. Depois de três anos, aquele seminarista se convenceu de que eu era a escolhida. Nós nos casamos em 1969 e aí fomos morar no Seminário Batista do Sul, onde ele era professor na área teológica além de bibliotecário.

Na reedição do livro Mulher sem nome (Editora Vida), a senhora diz que, olhando para trás, era difícil acreditar que ainda estivesse viva e alegre, servindo ao Senhor. Poderia explicar por quê?
Pela experiência que eu vivi em 1998. A primeira edição do livro foi lançada em 1995 e mais de uma década depois a editora perguntou se eu tinha interesse em revisar o texto. Aí refiz e ele foi relançado em 2008, incluindo a experiência que passei em 1998, quando meu marido, pastor de igreja, num aconselhamento acabou acompanhando uma pessoa, deixou a família, ficou três anos fora, depois voltou e eu o recebi de volta. Foi uma experiência dura, mas me fortaleceu porque eu me agarrei ao Senhor e consegui continuar servindo a Ele.

Poderia dar exemplos das experiências vividas entre 1995 (quando escreveu a primeira edição deMulher sem nome) e 2008, quando a obra foi republicada?
Do período foram mais tristes do que alegres. Eu fui, durante 28 anos, a mulher mais bem casada do mundo, amada, respeitada e realizada como mulher, esposa e mãe. Sempre fui uma mulher incentivada pelo marido, que foi quem me motivou a escrever a primeira edição de Mulher sem nome, quem negociou com a editora. Esse foi um tempo muito legal, de criar os filhos em casa – fiz essa opção. Quando houve aquela experiência negativa, então foram muitas lágrimas. Foi um período muito triste, até eu caminhar sozinha, já que não tinha mais ele ao meu lado.

De que maneira descreveria aquele deserto experimentado a partir de 1998?
Não conseguia orar. Quando começava a falar "Nosso Deus, nosso Pai..." já começava a chorar e não dizia mais nada. Fiquei um mês e pouco sem conseguir orar, mas sabia que tinha muita gente orando por mim. Quando chegava em algum lugar e diziam para mim "Orei por você", eu respondia: "É por isso que estou aqui". Eu sempre dizia para o Senhor o seguinte: "Deus, estou colada no Senhor igual sagui no braço de alguém. Deus, por favor, não chacoalha o braço porque se fizer isso, eu caio". Foi esta a minha experiência de deserto. Nele, havia um oásis.

Essa experiência de não conseguir orar se repetiu em relação à leitura da Bíblia?

Lia a Palavra, mas tinha dificuldade, porque a dor era muito grande. A vergonha com um filho no quarto ano do seminário e a filha fazendo mestrado...Não foi fácil.

Naquela situação de crise matrimonial, o que passava em sua cabeça?
Que ele voltaria porque foi uma coisa demoníaca. Tive experiências de presença de Satanás, em que precisei fazer exorcismo. Tive certeza de que era espiritual. Era muito forte.

A senhora teve contato com ele nesses três anos?
Não, só de notícias, de longe, porque tinha conhecidos que conviviam com ele. Eu sabia dele por terceiros. Tinha dificuldade de vê-lo porque ele estava se acabando.

Seus filhos ficaram revoltados, se questionando?
Eles me deram todo apoio, sofreram junto comigo. Ficaram chocados, pois nunca esperavam que o pai fizesse aquilo. Quem fez a ponte entre nós e o pai foi minha filha Heloísa. Era ela quem falava com ele, que dava recados, que recebia recados. E até hoje continua sendo o meu suporte emocional.

Como foi esse período em que o pastor Darci ficou afastado de casa?
Deus foi tão bom comigo que, quando ele saiu de casa numa sexta-feira, já no domingo recebi um telefonema de uma pessoa me oferecendo um emprego na Junta de Missões Mundiais (JMM). Sou grata a Deus e até hoje a essa pessoa, a irmã Acidália Tymchak. Fui trabalhar. Trabalhei cinco anos na Junta e foi um período muito bom em minha vida. Foi aí que tive o meu salário e, depois, fui aposentada. Trabalhar lá foi um presente de Deus para mim.

Dentro da igreja, a senhora sentiu o que?
Senti muito apoio das pessoas. Mas, quando meu marido saiu, só me disseram o seguinte: "Você tem três meses para sair do apartamento, pagaremos o condomínio nesse tempo e o plano de saúde". Eu tinha contas para pagar. Este é o problema da esposa de pastor quando ele morre, ou quando o pastor sai da igreja, porque a família fica à deriva. Foi uma experiência muito dura, mas Deus supriu na hora certa e até hoje dou graças a Ele.

Como foi conviver com os irmãos naquela situação?
No meu entendimento, fui traída, mas a igreja também. Estávamos juntas. Houve também muita decepção de muitos membros da igreja com a atitude dele. Não adiantaria eu sair daqui para outra igreja porque não era uma pessoa desconhecida... Tendo sido ele presidente da CBB naquela época, em qualquer lugar que eu fosse, as pessoas me reconheceriam. Então, fiquei aqui na igreja e cá estou até hoje.

Uma postura corajosa...
Não foi fácil, não sei se isso é coragem, mas estou inteira.

E o retorno do pastor Darci? Quando e como ocorreu?
Em julho de 2001 ele me ligou, marcando um encontro comigo, onde ele perguntou se eu o recebia de volta. Eu aceitei o desafio, mas com uma única condição: que fizéssemos uma terapia de casal. Fizemos a terapia, porque eu achava que tínhamos de ajustar algumas coisas. Foi bom esse período.

Qual foi a sua primeira reação quando recebeu esse telefonema?
Fiquei com medo, porque eu não sabia se ele proporia o divórcio, porque eu tinha um sentimento que seria isso. Então eu fui. Quando cheguei à minha casa, dei a notícia para a minha filha: "Seu pai pediu para voltar". Aí foi aquela festa. Sabia que ele voltaria porque o que ele fez não era o perfil dele, a maneira como aconteceu foi muito diabólica. Sabia que a hora em que ele caísse em si, ele ia voltar.

Aí seus filhos...
Ficaram felizes da vida. No dia seguinte, fui a Niterói, onde acontecia o congresso da juventude batista. Meu filho Sérgio era diretor da juventude e era o responsável pelo evento. Quando cheguei lá, ele perguntou: "Mãe, e aí?" Aí, respondi: "Teu pai pediu para voltar". Até ali ele estava tenso. Depois, o congresso correu bem para ele. Tanto ele como ela tiveram uma reação muito positiva. O pai esteve no casamento de Sérgio junto comigo. Ele voltou três meses antes do casamento, participou e aí foi legal.

Como foi essa reconstrução?
Foi difícil porque eu ficara três anos sozinha, tinha uma vida mais ou menos esquematizada. Já tinha meu emprego, meu salário... Foi uma experiência interessante porque tive de me readaptar à chegada dele. Não era mais o maridão que eu tive, era uma outra pessoa. Mudou muito, por conta da tristeza de ter feito o que não devia. Ficou mais introvertido do que já era.

A senhora declarou recentemente que não desejava aquela experiência para ninguém e que, através dela, aprendeu que Deus chora conosco em nossas dores e que, com Ele, transformou desgraça em graça. Como se deu esse processo de cicatrização daquela ferida?
Foi graça, a graça de Deus no coração da gente.

Conseguiu olhar para o pastor Darci e vê-lo da mesma maneira em seu coração?
Sim. Eu só lamento pela morte dele, pois pretendia ficar mais tempo com ele. Se vivo estivesse hoje, veria a neta [Letícia, 3 anos] que tem olhos da mesma cor dos olhos da mãe dele.

Viu claramente a ação de Deus no arrependimento dele?
Sim, sem dúvida. Foi muito de Deus.

A senhora tinha 28 anos de casada quando aconteceu aquele rompimento e disse que se tratava de uma questão espiritual e, por isso, não poderia abrir mão de seu relacionamento conjugal. Muitas mulheres em seu lugar teriam desistido. Por que não desistiu?
Estava casada. Não havia divórcio algum, mas não impediria caso ele pedisse. Entretanto, não pediria o divórcio por causa da minha certeza absoluta que era uma coisa espiritual também. Não desisti porque sou teimosa, mas acho que a razão principal foi o fato de ter percebido claramente tratar-se de algo demoníaco. Sei que foi uma obra espiritual maligna, Sempre dizia nas minhas orações que aquela bandeira Satanás não levaria; quem levaria era Jesus Cristo.

Sua atitude de busca da cura daquela ferida vai na contramão do que é pregado na sociedade atual, que diz que casar e descasar é questão de momento. Quando se trata de pastores e seus casamentos, o divórcio é ainda mais complicado. Por que, em sua opinião, a Igreja está convivendo cada vez mais com esse problema?
Para mim, são duas coisas: primeiro, precisava haver mais preparo para os jovens antes do casamento, com cursos, aulas, orientação; segundo, é o secularismo. Hoje em dia tudo é descartável, inclusive o casamento. A pessoa casa. Se deu certo, deu; se não deu, separa e faz o divórcio. Aí casa com outro. É um modelo secular que acho pernicioso.

Não se assusta com o fato desse modelo secular estar entrando nas igrejas?
Claro, a família é a raiz de tudo. Se você esfacela a família, esfacela tudo. Para mim, a família – pai, mãe e filhos – é o principal. Se não existe essa ordem divina, fica complicado. Enfraquecendo as famílias, enfraquecem-se as igrejas também, e uma podia ajudar a outra, tanto na orientação dos pais, como na orientação dos noivos, dos jovens.

A senhora milita em cargos de liderança há muitos anos. A que atribui esse perfil?
Primeiro, por causa de meus pais. Eles se tornaram modelo e referencial: não tinham preparo acadêmico – meu pai só tinha o 4º ano primário e minha mãe, o 2º ano primário, mas eram pessoas que "devoravam" livros. Fui criada em um ambiente de leitura. Aprendi a ler e fui incentivada a freqüentar a Biblioteca Municipal, a pegar livros para ler desde pequena e isso foi importante. Como eu e meu irmão íamos com eles para a igreja, e geralmente o trabalho da igreja estava começando, eu acabei me engajando na liderança também. Para mim foi muito positiva essa influência de meus pais e o espaço dado pela igreja.

Acredita que haja algo de nato no líder?
Acredito que um pouco vem com você, mas muito é trabalhado do lado de fora, que você vai buscando, se aperfeiçoando. Não saberia dizer o percentual. Mas quando você tem dois filhos pequenos, sabe quem é líder. Às vezes é o mais novo que manda no mais velho. Está na natureza. A questão está na maneira como você vai encaminhar esta liderança nata para uma coisa positiva, como educar essa criança para aproveitar esse dom para abençoar os outros.

A senhora disse que não há nada melhor do que ser esposa de pastor. Por que?
Adorava ser esposa de pastor, que não é um chamado, mas um privilégio dado por Deus de acompanhar um vocacionado de Deus. Sempre digo para esposas de pastor o seguinte: "Você não é vocacionada, é privilegiada porque Deus te colocou ao lado de um vocacionado, de um escolhido do Senhor". Curti muito ter sido esposa de pastor.

Qual deve ser o papel da esposa de um líder de igreja?
Acompanhar e ser confidente. É a única pessoa na congregação que pode falar com o pastor assim: "Você não podia ter falado aquilo, você falou demais, mas você podia ter falado isso." A gente pode falar isso por causa da intimidade que tem. Isso aconteceu muitas vezes com a gente, de eu dizer a ele: "Cuidado com o que você falou hoje no culto..." Não é ficar criticando tudo, mas, se perceber algumas coisas, tentar dar um apoio. Na grande maioria das vezes, eu dizia para ele: "Hoje você foi dez". Mas, uma vez ou outra, a gente dava uma palavra. O problema em muitos casais é que o marido não aceita as observações da esposa, o que não era o meu caso.

O pastor, de um modo geral, enfrenta problemas para conciliar a agenda eclesiástica com o convívio familiar?
Sim. Os pastores enfrentam isso porque eles não foram ensinados a fazer da família a sua prioridade. Quando Jesus disse Amarás o Senhor teu Deus de todo coração e ao teu próximo como a ti mesmo, Ele sintetizou mais de 600 mandamentos em três: amar a si, amar ao próximo e amar a Deus. Então, primeiro eu, depois a família e depois a igreja. Primeiro eu tenho de estar bem comigo mesmo, bem com a minha família e bem com a igreja. Se não estiver bem com a família, será difícil estar bem com a igreja. O pastor tem de olhar para a família porque, além de pastor, ele é pai e marido. Precisa dar atenção a essas funções, antes da igreja.

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