Quem define a doutrina?
NA DÉCADA DE 1780, O ESCRITOR e filólogo Noah Webster lutou para criar uma linguagem norte-americana baseada na maneira como o povo falava, e não em regras estabelecidas por aristocratas ingleses. Morto em 1843, ele não chegou a ver o alcance histórico de sua obra. Muito tempo depois, em 1961, foi publicado o terceiro Novo dicionário internacional de Webster, que, curiosamente, assustou quem falava o inglês americano preconizado por ele tanto tempo atrás. Usando a então nova ciência da linguística, o dicionário retornou à autêntica tradição de Webster: ao invés de prescrever como as pessoas deveriam falar, a obra descrevia como elas realmente falavam.
Na controvérsia que se seguiu, detratores e defensores daquele estilo deixaram de lado o que talvez fosse a discussão mais importante: a de que a língua não é apenas um elemento para expressar ideias, conceitos e valores, mas ela mesmo é capaz de transformar os conteúdos que representa. As verdades são eternas, mas a linguagem da verdade – justamente aquilo no que as pessoas acreditam – se modifica. E, assim como um idioma se modifica ao longo dos tempos, incorporando novos elementos e descartando outros, a doutrina cristã também é condicionada por eventos e movimentos externos.
Um exemplo é a Regra de fé, as palavras repetidas por aqueles prestes a serem batizados na Igreja cristã primitiva. Sem dúvidas, ele começou como um resumo daquilo que foi dito por Cristo. Até que, no ano de 381, tornou-se o que hoje é chamado de Credo de Niceia, uma definição cuidadosa da vida e obra da Trindade. O detalhe é que aquilo que, no início, era considerado como "a linguagem da verdade", havia mudado bastante, como reação às heresias que surgiram naquele período, como o arianismo.
Naturalmente, nem toda mudança é provocada por heresia. O Cristianismo, muitas vezes, leva a novas formas culturais em resposta a novos contextos. A Reforma Protestante, com sua ênfase na sola scriptura, mudou-se com a velocidade da imprensa, recém-inventada. Os movimentos missionários ocorridos entre os séculos 16 e 19 seguiram as trilhas estabelecidas por exploradores e colonizadores. Eu cresci na tradição reavivalista – um córrego espiritual inflamado pela democratização da religião americana.
Toda mudança na fé cristã pode ser herética, cismática ou apenas perigosamente desequilibrada. Então, como devemos nos relacionar com os movimentos religiosos que surgem de vez em quando? Apelando para a tradição, fechando hermeticamente as portas para o que é novo, ou encolhendo os ombros e dizendo que vale tudo? O teólogo Richard Mouw modelou um meio-termo entre o elitismo teológico e permissividade cultural: "Se a Igreja ou a guilda dos teólogos definem algo adiante como verdade, é um bom sinal de que sua verdade é realmente recebido pelos membros."
Mouw estava respondendo a teólogos que criticaram o evangelicalismo por ser supostamente cooptado pelas tensões terapêuticas e de gestão da cultura americana. Ele exortou seus ouvintes a que olhassem para tais desenvolvimentos com uma hermenêutica da caridade, ao invés de suspeita. O que é que, sobre a vida da Igreja, precisa ser equilibrado através de aspectos do pensamento contemporâneo? A Igreja tem sido previamente carente da sensibilidade terapêutica ou de sabedoria gerencial? Se assim for, os teólogos devem mudar sua perspectiva de julgamento da cultura de buscar a atenção para as mensagens que podem ser enviadas.
Quando Newman escreveu sobre como fazer bom uso do "senso dos fiéis" em avaliar a doutrina da Igreja, sublinhou tanto a comunidade quanto a continuidade. Devemos abordar os ensinamentos de guardas solitários com a hermenêutica da suspeita até que a comunidade venha para apreciar os seus conhecimentos. A suspeita semelhante é chamada quando os ensinamentos se chocam radicalmente com a continuidade da fé.
Newman ensinou que o desenvolvimento doutrinário é um crescimento gradual, e não uma ruptura radical. Neste sentido, a doutrina é como a linguagem. Novos termos são meros neologismos até que sejam integrados por uma massa crítica de falantes nativos. Mas, quando um grande evento histórico ou uma importante transformação cultural nos traz novos vocabulários ou diferentes posturas religiosas, tanto linguistas como teólogos sábios fazem bem se prestarem atenção.
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