Robinson Cavalcanti, 1944–2012. Ultimato lamenta

Sinal fechado. Um chevette laranja. Quase tão quente como a tarde em Boa Viagem. O motorista vira-se para o dublê de jornalista que o acompanha e, não sem humor, dispara: “Eu sou conservador...”. A luz verde do semáforo rouba nossa atenção e aproveito para recuperar o fôlego. O que naqueles dias de 1985 poderia soar como alívio, desafina. Afinal, estava ali exatamente para ouvir o pregoeiro do aggiornamento da igreja: “Quando a igreja se fossiliza, ela se torna irrelevante, é atropelada pela história e se torna infiel ao seu mandato”.
Carro em movimento e o ilustre condutor arremata: “... na doutrina”. Com um sorriso amarelo, começava ali a aprender sobre a “relatividade dos rótulos”, que viria a ser o primeiro capítulo do seu primeiro livro publicado pela editora Ultimato, oito anos depois.
Estava em Recife (PE), para aquela que seria minha primeira, digamos, incursão jornalística, a serviço da revista Ultimato. O encontro aconteceu no 14º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, onde o professor Edward Robinson de Barros Cavalcanti coordenava o mestrado em ciência política.
A entrevista foi capa da edição 169 de Ultimato, em outubro de 1985: “Constituinte, protestantismo brasileiro e participação política”. Desde então Robinson Cavalcanti se tornou nosso colaborador, e a edição 335, impressa no último final de semana, encerra 27 anos de sua preciosa contribuição.
 
Somos gratos a Deus pela companhia e influência do nosso mais longevo colaborador. Hoje, como fazemos diariamente no café da manhã, oramos – e choramos –especialmente pela sua família, igreja local e diocese. Também clamamos pela igreja brasileira e lamentamos muito a perda trágica, absurda, do nosso querido professor, pastor e bispo Robinson Cavalcanti e de sua esposa, Miriam Cavalcanti.
Misturamos às lágrimas um pouco de humor e lembranças que podem nos dar esperança. Humor que caracterizava a verve do “alabucano” (nascido em Pernambuco e criado em Alagoas) morto na noite do último domingo. Com algum deboche e até ironia, o escritor bíblico pergunta: “Onde está, ó morte, a tua vitória?” Ironia porque a resposta veio antes, da lavra do mesmo escritor: “O último inimigo a ser destruído é a morte”. Assim, antecipando o riso futuro e sem sair do mesmo capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios, reafirmamos as últimas linhas do apóstolo Paulo: “Meus queridos irmãos, sejam fortes e firmes, sempre dedicados ao trabalho do Senhor, pois vocês sabem que nada do que vocês fazem para o Senhor é inútil”.
Marcos Bontempo
É diretor editorial da Ultimato.

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