O adolescente, a família e as drogas

Durante a adolescência, o jovem busca construir sua identidade tendo a “necessidade” de separar-se da família para pertencer a algum outro meio social. Esse processo de expansão das relações do adolescente gera mudanças em todos os membros da família, podendo até levar todos a uma crise, uma vez que o crescimento dos filhos está ligado diretamente a evolução dos pais, que têm que aprender a lidar com essa nova situação, aprendendo, inclusive, a serem mais flexíveis. A chegada da adolescência e a dificuldades familiares geradas, podem ser uma das situações propícias para que o uso de drogas surja como um dos sintomas que irá denunciar essa complexa situação. Isso porque esse momento implica crescimento e individuação, movimentos essenciais na busca do jovem pela sua autonomia e independência do grupo familiar.

Em um artigo publicado pela Revista de Psicologia, foram observadas as dificuldades encontradas durante esse processo pelas famílias de dez adolescentes de 17 e 18 anos, do sexo masculino, da 3ª série do Ensino Fundamental ao 1º ano do Ensino Médio. Os sintomas que aparecem, nesta pesquisa, são o uso de drogas e o envolvimento com o crime, analisados como um sintoma de toda a família e encarado como uma forma de lidar com os conflitos - mais do que um problema em si mesmo. A função desses sintomas é conduzir uma mensagem que denuncia falhas do sistema familiar e social, ao mesmo tempo que indica a necessidade de mudança no seu funcionamento.

Para os pais, a idéia de que estão perdendo o seu filho, quando este demonstra movimentos de saída do sistema familiar, gera um estado nomeado de "pânico parental". A possibilidade de crescimento e independência do filho são vistas como uma ameaça à continuidade familiar, como ruptura e abandono, pois nessas famílias há a percepção de que os vínculos não evoluem. O uso de drogas acaba por oferecer uma solução ao dilema, pois a independência do filho é uma ameaça mais destrutiva para a família do que a dependência química.

Ao invés de favorecer um movimento de autonomia, o uso de drogas reforça as dependências relacionais, levando-nos a concluir que o sujeito é um dependente da sua família. São também famílias nas quais se observa a presença de segredos e mentiras como um mecanismo de proteção, acobertamento e negação do comportamento do dependente. Nessas famílias regidas pela "lei do silêncio", em que os conflitos com relação às regras de convívio não podem ser explicitados pela via da linguagem, uma saída possível é o ato infracional, sendo uma forma de "agir fora o que não se pode falar dentro" (Sudbrack, 1992b, p. 33).

Para Segond (1992), o aparecimento da delinqüência na adolescência está vinculado às dificuldades específicas de comunicação e às características relacionais dentro da família, mais do que a aspectos individuais de personalidade ou a fatores estruturais como divórcio, situações de famílias não casadas ou número de filhos.

Esse adolescente desempenha diferentes papéis ao lado da mãe, no decorrer do Ciclo de Vida Familiar, ocupando espaços vazios da relação conjugal, mantendo-se numa relação de rivalidade e/ou de afastamento do pai. Para lidar com a angústia vivida e criar possibilidades de separação e liberação, o jovem busca outros contextos de construção de sua identidade, dentre esses, o uso de drogas que o leva, quase que simultaneamente, ao envolvimento com atos infracionais.

Ou seja, os pais, não podendo assumir seu papel e seu lugar de orientação, controle e tomada de decisões, confiam essa posição ao filho que assume prematuramente uma responsabilidade emocional considerável. O ambiente social no qual está inserido não lhe oferece muitas oportunidades diferentes, pois o meio em que vive não o ajuda a produzir os modos de inclusão dentro de projetos mais integradores na sociedade.

As autoras concluem que essa dinâmica familiar não é a única que pode estar presente em famílias de adolescentes que se envolvem em atos infracionais e com drogas. Outras formas de organização familiar também podem dificultar o processo de construção da identidade de adolescentes, levando-os ao envolvimento com as drogas e o crime. Além disso, o fato da pesquisa centrar-se nas relações familiares, não significa desconsiderar os aspectos sociais, individuais e políticos que envolvem a relação do homem com as drogas e atos ilícitos.

Texto resumido pelo OBID a partir do original publicado pela Revista de Psicologia, 2004, 15(3), 29-54. Revista publicada pelo o Instituto de Psicologia.
Autores: PENSO, Maria Aparecida; SUDBRACK, Maria Fátima.
Fonte: OBID

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