John Stott, o Aniversariante (90 Anos)!
Sete e meia da manhã (onze e meia no Reino Unido), e faço uma ligação internacional. Uma voz feminina atende do outro lado. Pergunto: “Colégio de St. Barnabás?” (o antigo nome é mantido, mas hoje é uma casa de ministros idosos da Igreja da Inglaterra) e a resposta: “Sim, aqui é o quarto do Rev. John Stott, eu sou uma das suas sobrinhas”. Eu me identifico, pelo país, nome e título, e ela passa o telefone para o aniversariante. A mesma gentileza e a mesma lucidez, mas com uma voz visivelmente debilitada. Eu o saúdo em nome da nossa Diocese e dos seus amigos no Brasil, e lhe digo que estou naquele momento com um exemplar do seu último livro O Discípulo Radical nas mãos, saído recentemente do prelo pela Editora Ultimato. Stott expressa a sua satisfação pelo telefonema e me pergunta se ainda estou morando no mesmo lugar (faço 30 anos da casa e de Olinda no próximo 1º de maio), e eu digo que sim, na mesma casa em que ele almoçou quando da sua última vinda ao Brasil, em 1989. Falo rapidamente sobre a situação de resistência de nossa Diocese diante da Província anglicana liberal do Brasil (IEAB), e mais uma vez expresso gratidão, e faço votos de saúde e de bênção nessa data e no futuro. Ao final não pude deixar de ser tomado pela emoção. Não pude conter as lágrimas.
Há vinte anos, quando ele fez 70 anos, e achava que, provavelmente, ia morrer muito em breve, eu estava lá em Oxford no Culto e na recepção. Há dez anos, quando ele fez 80 anos, escrevi na revista Ultimato o artigo John Stott, o Estadista do Reino, reproduzido hoje pelo site da mesma. Nesses últimos dez anos continuei a acompanhar a sua trajetória, ler os seus artigos, pronunciamentos e livros, receber a carta que enviava periodicamente para uma lista de amigos, e ter encontros ocasionais. Quando da reunião internacional de reitores de seminários e bispos anglicanos evangélicos interessados em educação teológica, promovido pelo Wycliffe Hall, em Oxford, então dirigido pelo Alister MacGrath (o Rev. Miguel Uchoa estava comigo), ele veio um dia almoçar conosco e, naquela idade (passara dos 80), pediu desculpas por não permanecer, pois a noite estaria tomando um voo direto para Sidney, na Austrália. Enquanto tinha vigor, queria se gastar na causa do Evangelho.
Quando fomos vítimas da violência institucional da IEAB, na década passada, Stott foi um daqueles “amigos certos para as horas incertas”, nos enviando como seu representante o Rev. Cônego Cris Sugden (Anglican Mainstream), e a Paróquia de All Souls, do qual é Reitor Emérito, prestou uma homenagem à Diocese na minha pessoa, em Culto Público, e em um almoço com a liderança, quando tivemos oportunidade de manter uma longa conversa. Como o bispo aposentado e historiador Timothy Dudley-Smith já tinha publicado dois volumes de sua biografia, o primeiro até os 40 anos, e o segundo até os 80, perguntei se não ia ser publicado um terceiro volume... ao que Stott respondeu: “Póstumo, eu imagino!”. Quando alguém chamou a atenção que o problema era a saúde frágil do historiador, bem mais novo que o biografado...
Aquela altura, ele já tinha tido algumas pequenas isquemias, que lhe afetara a visão e a segurança do andar. Depois caiu e quebrou a base do fêmur. Foi operado e se recuperou bem, mas a escada íngreme do seu apartamento perto da Paróquia não ajudava. Toma uma decisão de deixar aquele lugar que passara quase toda a sua vida, e se muda para o lar de anciãos, onde nos dois primeiros anos viveu com seu computador e seu telefone em seu apartamento. Seu último pronunciamento público foi um sermão para a Convenção de Keswick, e o livro a que me referi diz ele ser o último a escrever. Está com dificuldade de locomoção, usando a maior parte do tempo uma cadeira de rodas, e a sua visão ficou bem limitada. É assistido, permanentemente, por um técnico em enfermagem filipino. Francis Whitehead, sua fiel secretária por mais de meio século, ainda vai semanalmente apanhar as correspondências em All Souls e despachar com ele em St. Barnabás, onde não cessa de receber visitas.
Se, na minha cabeça, vão passando cenas e diálogos de quarenta e três anos, em vários fóruns e lugares, recordando a marca desse pensador em minha vida e ministério, por outro vou meditando sobre a vida dele, que se mantém acesa, mesmo no outono da existência, como na mensagem que enviou para o telão falando ao Congresso Lausanne III, na Cidade do Cabo, África do Sul, no ano passado.
Em 1980, quando ele veio ao Recife para o Congresso de universitários evangélicos da ABUB, no Colégio Americano Batista, fomos comer uma carne de sol com macaxeira e manteiga de garrafa, no bairro da Madalena, e ele tentou me fazer desistir de ser Ordenado um ministro sob dois argumentos: eu deveria continuar exercendo o ministério de leigo, como tinha feito até então, e temia pelos possíveis rumos liberais do anglicanismo brasileiro, que sobraria, em perseguição, para pessoas como eu.
Por um lado, nada mais profético; por outro, fica a pergunta: deveria eu ter seguido o seu conselho e ser poupado do que passei e tenho passado? Ou o seu conselho era do coração de um pai na fé, ligado por laços de afeição aos seus muitos filhos, que não gostaria que sofressem?
Apesar do imenso respeito que tinha por ele (somente tivemos discordância pública apenas uma vez, no Congresso de Pattaya, Tailândia) não segui o seu conselho: fui Ordenado Diácono e Presbítero, e Sagrado Bispo. Ele compreendeu meu gesto, e nunca faltou em seu apoio. A história tem dessas coisas.
O Anglicanismo sofre hoje, em grande parte, porque as duas gerações que se seguiram à geração de Stott, não têm demonstrado o mesmo calibre, firmeza e discernimento para enfrentar os novos desafios (inclusive alguns dos seus ex-discípulos). Seus livros e palestras continuam a ser traduzidos, publicados e estudados em todo o mundo.
A soberania de Deus se faz – e muito – pela instrumentalidade de vidas dispostas em seu altar. Stott é uma dessas vidas de heróis da fé em uma época em que esses heróis são escassos ou estão “batendo fofo”.
Parabéns para você, meu velho amigo e “guru”! Longa vida Stott!
Dom Robinson Cavalcanti
Bispo Diocesano
Há vinte anos, quando ele fez 70 anos, e achava que, provavelmente, ia morrer muito em breve, eu estava lá em Oxford no Culto e na recepção. Há dez anos, quando ele fez 80 anos, escrevi na revista Ultimato o artigo John Stott, o Estadista do Reino, reproduzido hoje pelo site da mesma. Nesses últimos dez anos continuei a acompanhar a sua trajetória, ler os seus artigos, pronunciamentos e livros, receber a carta que enviava periodicamente para uma lista de amigos, e ter encontros ocasionais. Quando da reunião internacional de reitores de seminários e bispos anglicanos evangélicos interessados em educação teológica, promovido pelo Wycliffe Hall, em Oxford, então dirigido pelo Alister MacGrath (o Rev. Miguel Uchoa estava comigo), ele veio um dia almoçar conosco e, naquela idade (passara dos 80), pediu desculpas por não permanecer, pois a noite estaria tomando um voo direto para Sidney, na Austrália. Enquanto tinha vigor, queria se gastar na causa do Evangelho.
Quando fomos vítimas da violência institucional da IEAB, na década passada, Stott foi um daqueles “amigos certos para as horas incertas”, nos enviando como seu representante o Rev. Cônego Cris Sugden (Anglican Mainstream), e a Paróquia de All Souls, do qual é Reitor Emérito, prestou uma homenagem à Diocese na minha pessoa, em Culto Público, e em um almoço com a liderança, quando tivemos oportunidade de manter uma longa conversa. Como o bispo aposentado e historiador Timothy Dudley-Smith já tinha publicado dois volumes de sua biografia, o primeiro até os 40 anos, e o segundo até os 80, perguntei se não ia ser publicado um terceiro volume... ao que Stott respondeu: “Póstumo, eu imagino!”. Quando alguém chamou a atenção que o problema era a saúde frágil do historiador, bem mais novo que o biografado...
Aquela altura, ele já tinha tido algumas pequenas isquemias, que lhe afetara a visão e a segurança do andar. Depois caiu e quebrou a base do fêmur. Foi operado e se recuperou bem, mas a escada íngreme do seu apartamento perto da Paróquia não ajudava. Toma uma decisão de deixar aquele lugar que passara quase toda a sua vida, e se muda para o lar de anciãos, onde nos dois primeiros anos viveu com seu computador e seu telefone em seu apartamento. Seu último pronunciamento público foi um sermão para a Convenção de Keswick, e o livro a que me referi diz ele ser o último a escrever. Está com dificuldade de locomoção, usando a maior parte do tempo uma cadeira de rodas, e a sua visão ficou bem limitada. É assistido, permanentemente, por um técnico em enfermagem filipino. Francis Whitehead, sua fiel secretária por mais de meio século, ainda vai semanalmente apanhar as correspondências em All Souls e despachar com ele em St. Barnabás, onde não cessa de receber visitas.
Se, na minha cabeça, vão passando cenas e diálogos de quarenta e três anos, em vários fóruns e lugares, recordando a marca desse pensador em minha vida e ministério, por outro vou meditando sobre a vida dele, que se mantém acesa, mesmo no outono da existência, como na mensagem que enviou para o telão falando ao Congresso Lausanne III, na Cidade do Cabo, África do Sul, no ano passado.
Em 1980, quando ele veio ao Recife para o Congresso de universitários evangélicos da ABUB, no Colégio Americano Batista, fomos comer uma carne de sol com macaxeira e manteiga de garrafa, no bairro da Madalena, e ele tentou me fazer desistir de ser Ordenado um ministro sob dois argumentos: eu deveria continuar exercendo o ministério de leigo, como tinha feito até então, e temia pelos possíveis rumos liberais do anglicanismo brasileiro, que sobraria, em perseguição, para pessoas como eu.
Por um lado, nada mais profético; por outro, fica a pergunta: deveria eu ter seguido o seu conselho e ser poupado do que passei e tenho passado? Ou o seu conselho era do coração de um pai na fé, ligado por laços de afeição aos seus muitos filhos, que não gostaria que sofressem?
Apesar do imenso respeito que tinha por ele (somente tivemos discordância pública apenas uma vez, no Congresso de Pattaya, Tailândia) não segui o seu conselho: fui Ordenado Diácono e Presbítero, e Sagrado Bispo. Ele compreendeu meu gesto, e nunca faltou em seu apoio. A história tem dessas coisas.
O Anglicanismo sofre hoje, em grande parte, porque as duas gerações que se seguiram à geração de Stott, não têm demonstrado o mesmo calibre, firmeza e discernimento para enfrentar os novos desafios (inclusive alguns dos seus ex-discípulos). Seus livros e palestras continuam a ser traduzidos, publicados e estudados em todo o mundo.
A soberania de Deus se faz – e muito – pela instrumentalidade de vidas dispostas em seu altar. Stott é uma dessas vidas de heróis da fé em uma época em que esses heróis são escassos ou estão “batendo fofo”.
Parabéns para você, meu velho amigo e “guru”! Longa vida Stott!
Dom Robinson Cavalcanti
Bispo Diocesano
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