REFLEXÃO: O velho e o mar

“O Velho e o Mar” foi um dos últimos livros do escritor americano, Ernest Hemingway. Alguns o consideram sua obra prima, pois lhe rendeu o prêmio Pullitzer e foi decisivo para que o autor ganhasse o Prêmio Nobel.
Com uma narrativa simples, Hemingway conta a história de Santiago, um cubano que se sentiu desafiado a voltar a pescar aos 84 anos de idade.
Como passara a vida no mar, o velho queria provar seu vigor aos mais jovens. E como era conhecedor dos segredos do ofício, Santiago lançou-se numa empreitada audaciosa: fisgar o maior peixe de sua vida.
Não foi fácil. A batalha renhida arrastou-se, mas o velho perseverou e venceu. Depois de amargar dias sem comer, quase cego pelo sol, finalmente pegou um peixe de mais de cinco metros. Amarrou o merlin morto no lado do barco e iniciou seu retorno.
A volta, porém, mostrou-se decepcionante. Tubarões atacaram e comeram seu troféu – no caso, o peixe. Quando Santiago finalmente chegou na praia, só tinha um esqueleto para mostrar aos jovens. Seu projeto de vida havia se reduzido a nada.
“O Velho e o Mar” tornou-se um sucesso porque identificava o sentimento daqueles que chegam ao fim da vida carregando pesadamente nas costas a carcaça do objeto pelo qual batalharam a vida toda.
Em meados de 1975, tranquei matrícula na faculdade de Administração de Empresas para estudar num instituto bíblico, pois tinha certeza que Deus me chamava para o ministério.
Depois que fui batizado no Espírito Santo desejei tanto servir ao meu Senhor que, ingênuo, não identificava desvios religiosos nos lugares por onde andei.
Passados os anos, somaram-se grandes decepções. Hoje, apesar de não ser ainda velho, já me identifico com o pescador de Hemingway.
Dói pensar que chego nessa idade, temeroso de que o projeto ao qual me dei por tantos anos, esteja se reduzindo a uma carcaça.
Observo o avanço das superstições na espiritualidade evangélica e antecipo que logo não se acreditará mais na suficiência da cruz.
Com a proliferação dos amuletos e das intermináveis campanhas de oração, prevejo muitas igrejas retrocedendo aos tempos medievais, com um evangelho de obras.
Quando escreveu sua Epístola aos Gálatas, Paulo tinha uma equação em mente. Acrescentar algum rito à cruz – naquele caso, a circuncisão – não diminuía os méritos redentores de Cristo, simplesmente os anulava. Não se pode somar nada ao Calvário; tudo está consumado.
Entristece-me observar o esvaziamento dos conteúdos da fé. Privilegiam-se as coreografias e ressaltam-se os carismas, mas se esquecem os significados mais profundos da mensagem.
Assombra-me pensar que a proposta do Reino venha se resumir a chavões sem conteúdo. Deploro imaginar que muitos pastores se contentem com frases, que de tão repetidas, já perderam seu valor. Não se pode deixar a notícia mais alvissareira acabar em ditado de pára-choque de caminhão.
Sinto necessidade de alertar as Igrejas sobre as novas pressões que sofrerão à medida que crescerem numericamente. Quanto mais visíveis, mais cobiçados por oportunistas e demagogos.
Auditórios lotados encantam políticos em busca de votos, atraem marqueteiros ansiosos por novos mercados e seduzem aqueles ambiciosos pelos “quinze minutos de fama”. Temos que nos precaver para que o Corpo de Cristo não vire negócio, e os crentes, meros consumidores.
O sucesso de Santiago foi ilusório. Apesar de fisgar um grande peixe, só lhe sobrou um esqueleto carcomido. Jesus advertiu seus discípulos que cuidassem para no esforço de ganhar o mundo inteiro, eles não perdessem a alma.

E devemos compreender essa perda de alma, não só no sentido de morrer e ir para o inferno, mas de arruinarem-se os afetos, a sensibilidade humana e a solidariedade para com os que sofrem.
Hoje, mais do que nunca, o movimento evangélico precisa tomar muito cuidado para, no último dia, não se apresentar diante de Jesus com a alma atrofiada.
A igreja de Laodicéia, mesmo operosa, ouviu: “Você diz: ‘Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada’. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego, e que está nu” (Ap 3.17).

Que Deus nos ajude a resgatar a centralidade do Evangelho, pois só assim nosso trabalho não será vão no Senhor.
Soli Deo Gloria.

Fonte:www.ricardogondim.com.br
*Ricardo Gondim é pastor da Igreja Assembléia de Deus Betesda - SP.

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