Príncipe Caspian – O cristianismo por trás de Nárnia Dominada
Parte I – Pequenas Lições
No ano de 1951 C.S.Lewis publicou seu segundo livro da série As Crônicas de Nárnia, chamado em inglês de Prince Caspian. A primeira obra, lançada no pós-guerra britânico, havia despertado a curiosidade das crianças e a espiritualidade dos adultos e C. S. Lewis não desapontou na continuidade dos contos daquela terra mágica.
Em Príncipe Caspian Nárnia surge totalmente diferente do que os leitores já conheciam. No início, as personagens Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia ainda estão na Terra, em uma estação de trem seguindo para suas escolas. O período que passaram no campo havia acabado e a Inglaterra estava se recompondo no período pós-guerra. Nesta mesma situação estavam os leitores do livro. Vendo seu país destruído depois da II Guerra Mundial, não é difícil imaginar que todos buscavam esperanças.
Nesta busca por algo belo e novo, Lewis os leva a uma Nárnia sombria, misteriosa, degradada e dominada, justamente a situação que todos daquele período temiam e viviam. Mais uma vez, Lewis não tira seus leitores completamente de seu contexto, apesar de escrever obras consideradas de fantasia. Nárnia não é um conto para distração. São as mesmas circunstâncias, mas em outro mundo, assim como em O Leão, a Feiticeira e o Guardarroupa.
Na estação de trem, um a um as personagens sentem uma mordida ou um puxão. Um a um são chamados. Neste pequeno detalhe Lewis lembra aos seus leitores que o chamado para a missão e o chamado para o cristianismo é pessoal, ainda que todos estejam indo para o mesmo lugar. Então, pronto, estão em Nárnia. Ainda que não saibam disso nesse primeiro momento, Lúcia já demonstra um de seus dons; a sensibilidade:
“Pedro, você acha possível que tenhamos voltado para Nárnia?”
Na simples conversa dos irmãos Pevensie, Lewis entrega o pensamento cauteloso que sempre orienta indiretamente o leitor a ter, além da maturidade comum a jovens que já foram reis e rainhas. Preocupam-se com comida, bebida e com seus pertences, sempre conversando e chegando a melhor conclusão. Uma das muitas pequenas lições de vida.
Então, os quatro se descobrem em Cair Paravel, em seu próprio castelo agora destruído. Apesar das ruínas, é a lembrança do passado que traz alegria e conforto aos irmãos perdidos e sem compreender o que houve. Escritor reconhecido de teologia, C.S.Lewis deixa escapar um pouco de sua didática cristã. Não é exagero dizer que em pequenos detalhes como estes ele revela um pouco daquilo que aprendeu, ainda que sem ter calculado a lição.
Nesse caso ele se refere à memória como um fator de ânimo. É frequente nas histórias bíblicas que o povo se lembre de bênçãos e glórias do passado para passar por momentos difíceis. Isto ocorre até hoje entre o povo judeu, pois é um pedido divino para que sempre lembrem:
“Apenas tenham cuidado! Tenham muito cuidado para que vocês nunca se esqueçam das coisas que os seus olhos viram; conservem-nas por toda a sua vida na memória. Contem-nas a seus filhos e a seus netos. Lembrem-se do dia em que vocês estiveram diante do SENHOR, o seu Deus, em Horebe, quando o SENHOR me disse: ‘Reúna o povo diante de mim para ouvir as minhas palavras, a fim de que aprendam a me temer enquanto viverem sobre a terra, e as ensinem a seus filhos’.” (Deuteronômio 4.9,10)
No Novo Testamento, por sua vez, Pedro lembra a importância de ter em mente a memória do passado e de tudo que Deus dá:
“Em ambas quero despertar com estas lembranças a sua mente sincera para que vocês se recordem das palavras proferidas no passado pelos santos profetas, e do mandamento de nosso Senhor e Salvador que os apóstolos de vocês lhes ensinaram.” (2 Pedro 3. 1b-2)
Em que ano estamos, mesmo?
Um dos conceitos que alguns leitores de Nárnia têm dificuldade em entender é a questão da diferença do tempo entre o nosso mundo e o de Aslam. Em Príncipe Caspian esse mistério é desvendado por Edmundo:
“– Oh! – exclamou Edmundo, num tom de voz que obrigou todos a prestarem atenção. – Já entendi tudo!
– Entendeu o quê? – perguntou Pedro.
– Tudo! Ontem à noite estávamos intrigados porque saímos de Nárnia há apenas um ano, mas Cair Paravel parece desabitado há séculos. Não se lembra? Embora tenhamos passado muito tempo em Nárnia, quando retornamos pelo Guardarroupa parecia que não havia passado tempo algum. É ou não é?(…) Isso quer dizer – prosseguiu Edmundo – que quando se está fora de Nárnia a gente perde toda a noção de como o tempo passa aqui. Por que então havemos de achar impossível que em Nárnia tenham passado centenas de anos, enquanto para nós passou apenas um?”
Há um conceito sobre tempo muito difundido no meio cristão e utilizado pelo escritor nesse trecho. Para esta teoria há uma distinção entre duas formas de marcar o tempo reconhecidas pelas palavras gregas Chronos e Kairos. Estes termos são usados para designar, respectivamente, o tempo humano e o tempo divino.
O primeiro, Chronos, é aquele ao qual os humanos estão presos e não se desvencilham, o tempo das horas, dias e anos seguidos linearmente em que cada coisa acontece antes ou depois de outra. Já Kairos é o tempo “oportuno de Deus”, a eternidade, o atempo. Como as pessoas não vivem neste, é mais difícil de entendê-lo, mas é como se fosse um tempo fora do humano, não preso a sequências e constâncias. O próprio Lewis, em seu livro Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, cita:
“Os humanos vivem no tempo, mas o nosso Inimigo [Deus, pois é um diabo quem escreve as cartas] destinou-lhes à eternidade”.
Para Deus o tempo é outro. Ele vê o passado, presente e o futuro dos homens acontecer ao mesmo momento: na eternidade. Ele tem poder de ver o tempo que deseja, desprendido do Chronos. Essa diferença no conceito de temporalidade humano e divino é expressa claramente na Bíblia em trechos como:
“Não se esqueçam disto, amados: para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia.” (2 Pedro 3.8)
Voltando à frase de Edmundo, entre nosso mundo e o mundo de Nárnia as pessoas transitariam no Kairos divino, ou seja, mais exatamente no tempo em que Deus, no caso representado por Aslam, queira que elas apareçam em cada local. O tempo é independente da nossa medida temporal humana, mas dependente da vontade divina.
Não somente uma história, mas Príncipe Caspian traz, mais uma vez, os típicos ensinamentos do professor Lewis. O teólogo ensina o leitor sobre alguns aspectos da vida, sejam estes dentro ou fora da religiosidade, com pequenas cenas repletas de sentido. São detalhes que compõem histórias, seja do livro, seja de Lewis, ou seja a nossa.
Presentia on line / Mundo Narnia
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