Indo além da Avenida


Desta vez reproduzo na íntegra um artigo que ainda será publicado na próxima Presentia.
No dia 15 de setembro houve um evento em nossa cidade para o povo de Deus, que percorreu a Avenida Agamenon Magalhães. Uma das primeiras afirmações que foi feita na abertura da caminhada dizia o seguinte: “a Avenida é nossa”, que efêmero pensamento. Só que, a Avenida já é nossa há bastante tempo. Permitam-me um pouco de saudosismo. Recordo-me, quando criança, de ter participado com meus pais de uma carreata pela Avenida, em comemoração ao dia da Bíblia. Outra recordação foi uma caminhada na Rio Branco, protestando pela moralização das programações na TV. Permitam-me só mais uma. Desta feita, novamente na
Agamenon. Foi uma espécie de passeata ou desfile, novamente em comemoração ao dia da Bíblia, organizada pela AMEAPE, se não me engano, em uma das vezes que o Pr. Uilson Lins, de saudosa memória, foi presidente. Já “invadimos” a Avenida outras vezes, para dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus.
Outra frase dita no começo do evento foi: “tira o pé do chão!”. A frase tem uma conotação festiva, empolgante, saltitante, dançante, frenética; estimulante ao “frenesi santo”, respondido pela “galera” com um sonoro “Uhuuuuuu”, se é assim que se faz a grafia de tal expressão. Fico pensando aqui com os meus botões, não será apenas esse o desejo de muitos? Alguns dias antes do evento, ouvi outra afirmação, desta feita de alguém que iria participar do evento, dizia: “tenho que comprar a camisa para entrar na corda, ficar na pipoca não dá”, era mais ou menos isso (rsrsrsrsrsrsrs). Obs.: “rs" é abreviatura para risos, na linguagem da internet. Fala sério.
Falando sério, as palavras desse artigo não têm o propósito ou pretensão de questionar se estão certo ou errado tais eventos, antes, refletir sobre o tema. Alguém pode afirmar: organizamos com as melhores das intenções, o problema é de quem está participando com o pensamento errado. Concordo. Portanto, essas letras são para esses participantes equivocados.
Entendo que há a necessidade de refletirmos se a intenção em participar de tais eventos, ou qualquer outro, é de afirmação ou auto-afirmação? Celebrar a Deus ou promover alguma ideologia particular? Divulgar o Reino ou os interesses que não são ou não podem ser verbalizados ao público? Influenciar ou divertir “nosso povo”? Não que tenha algo contra a diversão, pelo contrário. Não tenho as respostas e não devo procurar responder pelo outros a nenhuma dessas perguntas. Entendo que o melhor é trazê-las à baila para pensarmos. As inquietações presentes nesse texto caminham na direção do questionamento sadio e necessário que deve nortear qualquer ação. É necessário perguntar: por que faço o que faço? Buscar compreender o significado de qualquer ato. Se participamos de algo, por que participamos? Quais as intenções? E os interesses? São tantas as interrogações!
Eventos como o que ocorreu no dia 15 de setembro têm se espalhado pelo País. Em São Paulo, o evento consegue juntar milhares de pessoas e já chamou a atenção da mídia, rendendo matérias em telejornais de repercussão nacional em grandes emissoras de TV. Em nossa cidade, conseguimos também nossos “15 minutos de fama”. No entanto, o que nos incomoda é justamente o fato de só sermos vistos uma vez por ano e apenas como uma notícia em algum telejornal, como uma matéria que dura no máximo 45 segundos e nada mais. Lá vou eu com mais uma pergunta: será que é apenas dessa forma que chamamos a atenção para a presença evangélica em nossa cidade, estado ou país?
No último senso realizado em nosso país, o IBGE informou que o crescimento dos que se identificaram como evangélicos cresceu de forma significante. Isso levou o líder mundial de uma das maiores religiões do nosso País, vir ao Brasil fazer uma visita para promover um despertamento espiritual, com a finalidade de conter o êxodo dos seus fiéis para as denominações evangélicas. Esse crescimento para os evangélicos parece muito bom e de fato é. No entanto, o maior crescimento, percentualmente falando, foi dos que se identificaram sem religião, os indiferentes. Ou seja, está crescendo o número daqueles que não querem mais nada com as instituições denominacionais, que estão preferindo viver à espiritualidade a seu modo longe dos grupos organizados.
Mostrar a quantidade e destacar a presença evangélica, bem como, decretar que as cidades pertencem a Jesus, têm sido repetidos por várias partes do País. Mas, essa presença tão celebrada, tem que ser questionada quanto à qualidade que tem produzido. O que tem mudado como conseqüência do aumento da presença evangélica em nosso país? Se formos bem criteriosos, quase nada ou nada. A corrupção está presente em todos os níveis. A criminalidade aumentando. O consumo de drogas se elevando e em conseqüência, a produção e o tráfico. Você pode dizer: “isso é culpa do governo” ou “isso é responsabilidade do governo combater”. Só que, nos esquecemos que os governos somos nós que constituímos. Muitos dos nossos políticos, os que se identificam como evangélicos, buscam se eleger para garantir apenas mais dinheiro para eles, repetindo o mesmo comportamento da grande maioria dos que estão lá. Não há projeto político real, apenas no papel e no discurso para iludir os crentes ingênuos, que de ingênuos muitas vezes não tem nada, pois muitos destes estão apenas querendo ser beneficiados pelos políticos crentes, trocando o voto por: cimento, remédio, um emprego na prefeitura ou promessa de aposentadoria, etc. Como projetos os políticos evangélicos poderiam assumir a missão de defender os princípios éticos, sociais e espirituais ensinados na Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, sem se comprometer em ter que ajudar as igrejas nas construções de seus prédios. Queremos mudanças agindo desse jeito?
Em nossa cidade, o que tem mudado com o crescimento do público evangélico, crente ou protestante, como queiram chamar? Vemos uma proliferação de igrejas, denominações, ministérios, comunidades, etc. Muitos destes empreendimentos, fundados por divisões, motivadas por disputa de poder, que recebem alguma desculpa ou justificativa espiritual legitimar a sua existência. E na vida da cidade? O que de concreto tem mudado? Tem crescido a divulgação das festas juninas e as drilhas, o surgimento de movimentos em defesa da sexualidade alternativa, seitas e tantos outros grupos religiosos, além da criminalidade de todas as formas. Nossa presença o que tem causado?
Apesar de toda essa situação, nos contentamos com marchas, shows e outros movimentos, como se esses tipos de manifestações fossem à solução para os problemas de nossa cidade. Investem-se grandes somas buscando apenas massagear nosso próprio ego, para dizermos a nós mesmos que estamos fazendo diferença e que somos muitos. No entanto, e a diferença? A diferença é feita no dia-a-dia, no engajamento com projetos que sejam concretos para a transformação da realidade de vidas e não apenas em entretenimento espiritual, que tem servido apenas para “nosso povo” aliviar suas tensões e energias acumuladas, suando a camisa de tanto pular.
Finalizando gostaria de propor uma atividade que nos ajudará a chegarmos a conclusões. Façamos a seguinte pergunta: o que as pessoas acharam da marcha? Só que, não poderemos fazer essa pergunta para “nosso povo”, pois são suspeitos no julgamento, tendo em vista os interesses pessoais. Façamos a pergunta aos “não-crentes”, para que eles se pronunciem como esse evento influenciou suas vidas para seguirem a Jesus. Em que esse evento contribuiu para a melhoria ética, moral, social e espiritual da nossa Cidade. Não defendemos o fim de nada, apenas essa reflexão. Que o Senhor Deus nos ajude a fazermos diferença e ser conhecidos não só uma vez por ano, antes todos os dias, como aqueles que são diferentes em ações concretas e significativas.

* Flávio Marcus da Silva Souza.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, atualmente na 2ª IPB de Caruaru.
Aluno do curso de filosofia da FAFICA
e-mail: flaviomarcus@ig.com.br

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