Fogo estranho

Presentia fez um resumo, mais você pode ver na íntegra no site indicado no final


Enquanto aguardam a liberação de uma sala para a entrevista, Antônio Gilberto e o repórter conversam sobre a Igreja Evangélica e assuntos relativos à fé cristã no Brasil. O pastor folheia um exemplar de CRISTIANISMO HOJE. “Não há mais muito temor a Deus”, comenta, a respeito do conteúdo de uma reportagem. Ele dá uma olhada pela janela e balbucia, como se falasse consigo mesmo: “Quem de nós tem buscado ao Senhor em espírito e em verdade?”. Em dado momento, a secretária lhe traz as informações que solicitou sobre um evento. A procura não é tão grande como o esperado. “É impressionante, irmão”, diz. “Antigamente, eram comuns campanhas de oração de uma semana, cultos de consagração que duravam um dia inteiro. Agora, o pessoal não quer orar nem por cinco minutos.”
Não, Antônio Gilberto não vive do passado, embora admita que os tempos idos lhe trazem ótimas recordações. É um homem ativo e perspicaz, para quem a chegada dos 80 anos de idade parece ter trazido apenas mais experiência. Sobe com desenvoltura os três lances de escada na sede da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), no Rio. Ali, ele sente-se mesmo em casa. Respeitado por seu profundo conhecimento das Escrituras, é professor e consultor teológico e doutrinário não só da editora, mas da denominação. Integrante da Diretoria da Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB), é presença certa em seminários e congressos sobre Escola Bíblica Dominical, assunto em que é especialista. “O crente deve estudar, estudar e estudar a Palavra de Deus”, afirma. “Só quem está ao lado da Bíblia pode manter-se espiritualmente de pé.”
Ao longo desta entrevista, por diversas vezes Antônio Gilberto assumiu uma postura de contrição. “Glórias a Deus, irmão, glórias a Deus”, disse, erguendo os braços e fechando os olhos, todas as vezes que foi solicitado a falar acerca de suas realização na obra do Senhor. Elas não têm sido poucas ao longo dos últimos 65 anos, desde que se converteu, ainda adolescente. Casado, com quatro filhos e oito netos, o pastor diz que quer servir ao Senhor enquanto lhe der graça e força. “Minha oração é para permanecer fiel. A fidelidade traz felicidade.”

CRISTIANISMO HOJE – Como está a Assembleia de Deus hoje, às portas do centenário?
ANTÔNIO GILBERTO – Eu digo que ela está caminhando bem, pela graça de Deus. O início de nossa igreja e seu crescimento são provas de que esta obra não pode ser dos homens. Como o trabalho daqueles dois obreiros estrangeiros [N.da Redação: os missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, oriundos dos Estados Unidos, fundaram a Assembeia de Deus no Pará, em 1911] poderia despertas espiritualmente o país se não fosse pela ação do Espírito Santo? Hoje, a Assembleia de Deus é querida e acatada, tem comunhão com as igrejas coirmãs e é uma referência em sentido geral.

Quantos membros tem a denominação?
É uma pergunta muito difícil de ser respondida, inclusive por causa de seu tamanho. Há mais de quinze anos, fizemos um levantamento amplo. Embora não tenha havido o retorno de todas as informações solicitadas, projetamos com segurança uma membresia da ordem de 11 milhões. O levantamento baseou-se apenas nos membros batizados, sem levar em conta as crianças e os frequentadores eventuais. Claro que não podemos afirmar este número com rigor científico, mas serve para dar uma noção da amplitude de nossa igreja.

Durante muito tempo, a Assembleia de Deus foi vista como uma igreja conservadora em relação a usos e costumes. Hoje, percebe-se maior liberalidade, sobretudo no contexto urbano. Houve exageros no passado?
Acontece que muitos irmãos e irmãs do passado, com pouco conhecimento do assunto à luz das Escrituras, praticaram excessos, estabelecendo regras individuais e regionais desnecessárias. Usos e costumes bons e santos devem fazer parte do testemunho cristão.

Diversas igrejas independentes têm usado o nome “Assembleia de Deus”, mesmo sem qualquer ligação com a CGADB. A denominação cogita alguma medida contra isso?
Quem pode pronunciar-se sobre este ponto é a Direção nacional da igreja. Esses chamados “pentecostais” ou “neopentecostais” leem a Bíblia, mas não a estudam no sentido estrito deste termo. Eles só querem saber de manifestações humanas, como gritar, rolar, pular, expulsar demônio, praticar exorcismo. É um inominável erro cuidar só de manifestações e não do verdadeiro relacionamento com Deus, aquele que transforma a vida das pessoas. Primeiro, a predominância do Espírito Santo segundo as Escrituras; depois, os efeitos de sua manifestação. No início do movimento neopentecostal no Brasil, por volta dos anos 1960, várias igrejas que surgiram me convidavam para lhes ministrar sobre as doutrinas fundamentais da fé cristã. Esse interesse arrefeceu, como é fácil detectar nos seus escritos e programas de rádio e televisão. Esses grupos precisam despertar a tempo para, em primeiro lugar, dar espaço contínuo e amplo ao estudo sistemático da Palavra de Deus. A Assembleia de Deus está correndo o mesmo perigo; muito pouco estudo da Bíblia, priorizando suas doutrinas básicas.

Como a Igreja Evangélica deve agir em face do mundo?
A Igreja de Jesus – a verdadeira Igreja, aquela que teme ao Senhor e segue a sua Palavra – não pode se coadunar com a filosofia do mundo, que cada vez mais afunda no pecado. A Igreja neotestamentária é necessariamente diferente do mundo; de modo que, no dia em que a Igreja se coadunar com o mundo, e vice-versa, será o fim. Quando o mundo diz sim, a Igreja diz não. É assim que deve ser.

Essa diferença tem se diluído?
Infelizmente, a Igreja está muito mais parecida com o mundo do que deveria. Nós devemos enxergar esse processo como sinal dos tempos – e, sem querer ser pessimista ou negativo, tudo que tem acontecido ao redor do mundo faz parte de um panorama profético. E haverá choques tremendos entre o povo de Deus e o mundo. Veja esse pacote de leis que hoje tramitam no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. Refiro-me a temas como a chamada união civil de homossexuais, a legalização do aborto, a descriminalização do uso de drogas hoje ilegais e as restrições ao trabalho de evangelização, entre tantos outros pontos. Mais do que nunca, o crente precisa manter-se fiel. A segunda vinda de Jesus ao mundo é um acontecimento iminente. A qualquer momento, o Senhor virá. Que bom seria se o mundo despertasse para buscar ao Senhor enquanto é tempo!

Como definir avivamento?
Há quem pense que o avivamento espiritual da Igreja caracteriza-se apenas pela manifestação de dons sobrenaturais e operação de milagres. Segundo as Escrituras, avivamento éuma renovação espiritual soberana da parte de Deus, uma sobrenatural intervenção divina entre o seu povo. E isso se caracteriza inicialmente pela fome incontida pela Palavra de Deus. Sempre que uma igreja é despertada pelo Espírito de Deus, ela busca sem cessar a renovação espiritual, a santificação e o conhecimento constante e profundo da Palavra de Deus, tanto na congregação como na vida de cada crente.

Mas então como a Igreja Evangélica tem crescido tanto no país?
Não é bem assim no presente momento. O número de genuínas decisões por Cristo vem diminuindo nas igrejas. A Igreja tem crescido em quantidade. Não sou contra a quantidade – quanto mais pessoas se tornarem crentes em Jesus, melhor. Mas, quanto aos seus, o Senhor conta primeiro com a qualidade de vida espiritual, moral, social e familiar. Lembre-se do caso de Gideão: Deus só permitiu que ele fosse acompanhado por 300 homens à guerra, ao invés dos milhares que havia. Ora, do dia para a noite você consegue encher um templo ou um estádio de gente; basta dizer o que as pessoas gostam e querem ouvir. No início da Igreja, praticamente não havia necessidade de apelo e convite para o povo vir a Cristo. O poder de Deus era tão manifesto que as pessoas, por livre iniciativa, procuravam os apóstolos com a pergunta: “Que devo fazer para ser salvo?”.

A situação está assim por culpa da liderança?
Nesta resposta, eu gostaria de substituir a palavra “liderança” por “os pastores”. Liderança tem a ver com direção, mas, em termos de igreja prefiro abordar o assunto partindo dos pastores, aqueles que receberam de Deus o chamado e o ministério de apascentar. O pastor tornar-se líder porque antes já era pastor; ele não é pastor simplesmente porque é líder de uma obra. Nem todo líder cristão é obreiro do Senhor só pelo fato de ser líder. O pastor que apenas é líder torna-se um profissional, e não um vocacionado da parte do Senhor. E os pastores precisam enfatizar a importância primordial da Bíblia Sagrada. Está faltando a Palavra em nossos púlpitos. Hoje, nos cultos evangélicos, 80% do tempo é gasto com assuntos e atividades que nada têm a ver com a exposição da Palavra de Deus. Veja as músicas de hoje – não têm nada de Bíblia, é só passatempo. Muitas vezes, quem compõe nem salvo por Cristo é. O resultado está aí: carência espiritual, pobreza de fé, crentes sem vida. Nossos pastores precisam despertar para semear a Bíblia. O povo está sem alimento. Se a ovelha recebe comida fraca, ou adulterada, pobre dessa ovelha!

O que o senhor experimentou no passado e sente falta nos dias de hoje?
Ah! Do movimento dinâmico e sempre crescente de evangelização; da inflexível e intensa disposição e vontade de todos os crentes de ganhar pessoalmente almas para Jesus. Logo que Jesus me converteu,
aos 14 anos de idade, Deus me usou para evangelizar uma família inteira, ajudado por outros irmãos. Aquelas sete pessoas se entregaram a Cristo e se tornaram crentes fiéis, perseverantes e frutíferos para a glória de Deus. Que alegria! Sinto falta também dos cultos de oraçao e de vigília daquela época. Hoje, o tempo que passamos na presença do Senhor, buscando a sua face em cultos coletivos, é tão curtinho... Outra coisa maravilhosa era a comunhão cristã fortíssima entre os irmãos. Todos na igreja eramunidos. O que acontecia a um era compartilhado por todos.

A esta altura da vida, qual a sua prioridade?
Permanecer fiel. Fiel a Deus; fiel à sua Palavra; fiel à doutrina; fiel à família; fiel aos compromissos assumidos; e fiel à minha igreja e aos colegas de ministério. A fidelidade só pode trazer felicidade. Imagine a alegria de, conforme Paulo disse em II Timóteo 2.15, podermos nos apresentar a Deus como obreiros aprovados! Mas Deus dá-nos da sua graça. “A minha graça te basta”, disse Deus ao apóstolo.

Fonte: cristianismo hoje.

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