“Tomou as crianças nos braços... e as abençoou”
Certo
dia, aconteceu-me algo sintomático. Estávamos nos entretendo na sala
com os três netos mais velhos, o que nunca é monótono quando eles
estabelecem a agenda. A vovó Eda levantou-se e disse à Alice, de 4 anos,
que fosse para o colo do vovô Di. Eu a puxei para perto de mim, mas
isso só durou um instante, pois logo ela, sem a menor cerimônia, migrou
para o colo do tio -- um colo acolhedor que ela conhece bem melhor, pois
ele brinca com ela mais do que eu. É claro que eu queria que a Alice
ficasse no “meu” colo, mas sei perfeitamente por que ela escolheu “o
outro colo”, e com razão.
A
narrativa em que Jesus abre espaço para as crianças, toma-as nos braços
e as abençoa sempre surpreende. Parece que, para os pequenos,
aproximar-se de Jesus era muito natural, pois sabiam que lá encontrariam
um colo acolhedor. Porém, mais surpreendente é ver Jesus cercado de
crianças e encarar os adultos dizendo que essas crianças são um sinal do
reino de Deus e que, se nós, adultos, não nos tornarmos como elas, não
teremos parte nesse reino. Hein? Sério? Então a questão não é apenas a
Alice buscando o colo mais acolhedor do tio, mas as crianças, estas
crianças anônimas, sendo acolhidas no colo de Jesus, enquanto os
discípulos são confrontados com um desafio que se rumina sem nunca
chegar ao fim. Nem ontem, nem hoje, como ainda é o meu caso.
Esta
conhecida palavra de Jesus nunca deixa de ser um mistério e um enigma:
“Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os
discípulos os repreendiam. Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes
disse: ‘Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o reino de
Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem
não receber o reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele’. Em
seguida, tomou as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou”
(Mc 10.13-16).
Vamos
olhar um pouco mais para este encontro entre a criança e Cristo? Um
encontro fascinante que parece ser tão fácil que só a criança o
vislumbra. A criança de ontem e a de hoje.
Nosso
netinho Davi sofria de intolerância à lactose, o que sempre dificultava
as coisas na hora da refeição e em especial nos aniversários de
criança. Porém, um dia ele se declarou curado, e o fez com a simples
explicação de que havia orado a Jesus e este o havia curado. E pronto!
Simples assim.
É
claro que eu sou tentado a dizer que a coisa não é tão simples assim e
que há muitos fatores a considerar num quadro clínico como o dele. Para
ele, no entanto, era “simples assim” e é isso que eu devo aprender. O
fato é que eu não apenas reluto a aprender com o Davi, como também penso
que ele é quem deve aprender de mim, com as minhas inúmeras divagações a
afirmar que “a coisa não é bem assim”. Dessa forma eu mostro não apenas
a minha incredulidade, mas também a consequente desconstrução da
disponibilidade simples e natural dele para andar com Jesus. É que nós,
adultos, achamos que sabemos tudo o que a criança precisa; e com a nossa
presunção acabamos atrapalhando a relação delas com Jesus, bem como os
discípulos fizeram. Assim as impedimos de receber a bênção vital que
Jesus está pronto a dar a elas e a nós.
Faz
anos que eu acompanho a Visão Mundial, que atende milhões de crianças
no mundo todo; e tenho feito parte dessa tendência de achar que nós
sabemos do que as crianças precisam e que elas só têm que se colocar em
nossas mãos. Até provemos espaço para que possam descobrir e alimentar a
espiritualidade, mas os adultos é que decidem tudo. Por vezes, atuamos
com a “certeza” de que nós sabemos do que as crianças precisam e as
enquadramos em nossa pedagogia de cima para baixo.
Pensando
em algo mais caseiro, eu poderia referir-me à Comunidade do Redentor,
onde ministro atualmente e onde nutrimos um projeto de trabalho com
crianças numa área pobre da cidade. Este projeto, chamado Dorcas, é
infinitamente menor que a Visão Mundial e é executado com menos
sofisticação e capacidade profissional. Mas a tentação é a mesma: nós,
membros de uma igreja de classe média, “sabemos” o que as crianças de
periferia precisam... e lá vamos nós!
Há,
de modo inegável, muita coisa que nós, adultos experientes, podemos
fazer. Entretanto, o que nós pensamos saber e acabamos por fazer nunca
deve impedir as crianças de se encontrarem com Jesus e dele receberem o
colo e a bênção. Elas sabem que ele as espera e as recebe muito bem.
Nesse aspecto, precisamos aprender com elas, pois carecemos do mesmo
acolhimento.
O
evangelista Mateus aprofunda ainda mais este desafio e mistério e
mostra Jesus dizendo sem papas na língua: “Eu lhes asseguro que, a não
ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no
reino dos céus. Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é
o maior no reino dos céus” (Mt 18.3-4).
Assim
como as crianças, nós precisamos nos encontrar com Jesus. Elas nos
ensinam o caminho. Porém, para podermos percorrê-lo, precisamos nos
converter; e essa conversão que “nos torna como crianças” só é possível
por meio da humildade. Uma humildade que não apenas reconhece que não
sabe o que a criança precisa, mas também se dispõe a seguir atrás dela
nessa busca faceira rumo ao colo de Jesus e sua bênção. A bênção que nos
leva a vislumbrar a realidade do mistério do reino de Deus.
• Valdir Steuernagel
é pastor na Comunidade do Redentor, em Curitiba, PR. Faz parte da
Aliança Cristã Evangélica do Brasil, da Aliança Cristã Evangélica
Mundial e da Visão Mundial.
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