FÉ E VOTOS

Evangélico critica o ‘lobby religioso’, solta o verbo contra o ‘voto de cajado’ e defende a laicidade do País

"Qualquer pastor que esteja vinculado à política deve ser afastado das suas funções [eclesiásticas]"

Jades da Cunha, pastor da 3ª Igreja Batista do Recife

JORNAL EXTRA – Este ano, há dois candidatos evangélicos disputando a Presidência da República. Existe, da parte dos evangélicos, uma fixação em alcançar cargos públicos?

JADES DA CUNHA – Eu acredito que existe o desejo de servir à população. Agora, eu não tenho por prática indicar ou votar em alguém só porque esse alguém é evangélico, pastor, missionário ou tenha algum título ligado à igreja. Eu entendo que há, sim, pessoas que são evangélicas e já estão na política, e querem servir à população. Mas, como eu disse, sou muito cético em votar em alguém por causa da religião.

JORNAL EXTRA – Muitos criticam a presença de evangélicos na política, argumentando que eles querem retirar a laicidade do Estado. Os religiosos geram, mesmo, esse paradoxo?


JADES DA CUNHA – Bem, eu não colaboro com essa ideia de que ter evangélicos na política fere o princípio da laicidade do Estado. Eu acredito que a participação política deve vir do cidadão, seja ele evangélico, espírita, ou de qualquer outra religião, acho que isso não fere a formulação do princípio. O evangélico tem o direito de participar do processo político, como qualquer outro cidadão.

JORNAL EXTRA – Normalmente os candidatos evangélicos apresentam firmes posicionamentos do ponto de vista moral, a exemplo de se colocarem contra o casamento homoafetivo e a legalização da maconha e do aborto. Os evangélicos não têm outra bandeira para sustentar, além dessas?


JADES DA CUNHA – Eu discordo de algumas posturas. Uma coisa é o direito civil. Há direitos civis, que têm de ser contemplados. O casamento homoafetivo é um direito civil. Porém, enquanto ministro do Evangelho, eu entendo que o projeto de Deus é um pressuposto biológico, que um homem se case com uma mulher. Todavia, é pressuposto bíblico que Deus não faz acepção de pessoas. E Ele não deixa de amar alguém porque esse alguém tem uma identidade homoafetiva. De maneira nenhuma.
Agora, eu me preocupo com a postura de alguns candidatos, que o que parece é que querem servir a interesses de grupos localizados. Eu acho que um candidato tem de entender os interesses da população, não só do grupo ao qual está ligado. Eu entendo que ele pode, inclusive, se pronunciar no sentido do que ele pensa, mas quanto à produção política – lembrando que isso tem a ver com a pólis, o interesse da cidade – ele tem de pensar na população. Eu discordo da postura de o político beneficiar apenas o grupo ao qual está ligado, e não são só os evangélicos que fazem isso. Há outros políticos que tentam atender a interesses de grupo A ou B. Eu discordo disso.

JORNAL EXTRA – A bancada evangélica no Congresso Nacional é considerada corrupta, com parlamentares faltosos, e apresenta uma série de problemas. Isso é um mau testemunho cristão?


JADES DA CUNHA – Com certeza. A palavra ‘evangélico’ deveria apontar para alguém que vive o Evangelho, que ensina que devemos amar a Deus sobre todas as coisas e o nosso próximo como a nós mesmos. Se o político está servindo ao próximo, não pode agir em benefício próprio. O político tem de agir em benefício daqueles que confiaram o mandato de serviço. Nós vivemos uma realidade de corrupção no Brasil e precisamos ter uma postura mais firme quanto a isso. Os resultados das investigações sobre a prática dos políticos só fomentam a insatisfação da população. Independente se o político é evangélico ou não, deve pagar pelo que infringiu.

JORNAL EXTRA – Na realidade, a palavra ‘evangélico’ hoje representa um movimento bastante heterogêneo, com vários grupos, alguns completamente diferentes dos outros. Porém, a predominância de políticos evangélicos é neopentecostal, que não tem uma história de participação. Falta uma postura da parte das igrejas tradicionais, que equilibre esse contexto?


JADES DA CUNHA – As igrejas históricas têm tido iniciativas de trabalhar a cidadania, desenvolver o pensamento político do cidadão. Hoje se pensa em personalizar a política, votando-se em fulano ou sicrano, ao invés de pensar o sistema, identificando as falhas e contribuindo para solucionar os problemas. Como você mencionou, o Movimento Evangélico é muito amplo. Eu venho de uma igreja histórica – a Igreja Batista está no Brasil há mais de 200 anos e tem uma postura mais tradicional. Então, a teologia da Igreja Batista baseia-se no serviço. Assim, nós não cremos que o relacionamento com Deus deva acontecer para ganharmos benefícios dEle, mas para servi-Lo e às pessoas, às quais Ele ama. Por isso, não me lembro de haver na história do Brasil algum político de origem batista que tenha sido exposto como autor de escândalo ou algo assim. Eu não me lembro. A nossa igreja tenta caminhar nessa vertente: auxiliar na formação cidadã e fazer com que os fiéis tenham a prática individual da reflexão sobre o seu papel na sociedade.

JORNAL EXTRA – Até porque, muitas vezes, o público evangélico é visto como um ‘nicho de mercado’, que inclusive pode definir eleições. Isso abre espaço para ocorrer o chamado ‘voto de cajado’, que transforma os templos em verdadeiros currais eleitorais. O que o senhor pensa sobre essa prática?


JADES DA CUNHA – O voto de cajado, além de tolher o direito do indivíduo refletir e tomar sua própria decisão, trata-se de um tipo de comportamento completamente equivocado. É alguém que conhece alguém e indica a votação por amizade. O posicionamento da Convenção Batista de Pernambuco (CBPE) é um documento que qualquer pastor que esteja vinculado à política deve ser afastado das suas funções [eclesiásticas]. A nossa Convenção, que é um órgão facilitador desse grupo, tem um documento produzido que orienta que o voto de cajado não aconteça. Nossos pastores não dizem às igrejas em quem se deve votar ou não.

Jénerson Alves
Jornal Extra de Pernambuco

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