Bráulia Ribeiro - religião@eu.com

Ridicularizar a religião é hoje esporte popular. O irônico é que até pastores e profissionais religiosos se especializam em maldizê-la. Não sem razão, pois o estado atual do evangelicalismo brasileiro provoca náuseas. Porém, a onda de revolta contra a religião não é apenas nossa. O debate, que tem ar virtuoso, circula o Ocidente e é alimentado por vídeos virais e pelas mídias sociais. O jovem que aparece em um vídeo no youtube, em uma praça, dizendo que odeia a religião, mas ama Jesus tem jeito de herói.
 
Pergunto-me se existe mesmo virtude nessa conversa. Haveria a possibilidade de dar alguma resposta a Jesus e ao seu amor sem que ela tomasse uma forma social? O debate é, no mínimo, inócuo. Não conduz a nenhuma atitude transformadora, mas a um orgulho excludente. 
 
O Brasil de hoje precisa levar a sério a religião. Os protestantes atuais, dados à iconoclastia e à difamação indiscriminada uns dos outros, odeiam esta palavra e tudo o que se relaciona com ela. A verdadeira espiritualidade vem sendo proclamada como uma abstração de tudo. Abstrai-se o viver em comunidade, pois a forma igreja já não corresponde ao ideal; assim como se abstrai o servir, o adorar, a mensagem da salvação e a Bíblia. Só eu e você não somos abstraídos. Aliás, continuamos humanos e cheios de necessidades não abstratas. 
 
Temos de entender que a não forma é uma forma. Pregar um evangelho sem forma cultural alguma, sem nenhuma proposta institucional, é torná-lo vazio, irrelevante, incapaz de dialogar com a sociedade. 
 
Se nos sábados à noite vamos à casa do Zé para beber vinho, fumar charutos e discutir questões bíblicas, esta é a nossa igreja. Fumar charutos e beber vinho passam a ser nossas práticas religiosas. A casa do Zé ou da Maria se institucionaliza e se torna nosso “templo”. Assim é o ser humano, assim se forma a cultura. É arrogante pensar que essa pseudo não forma é melhor do que uma proposta atual ou histórica. 
 
Quando entendemos a verdadeira natureza do evangelho, percebemos que a religião cristã não é a grande inimiga. Antes, o vazio dela o é. Jesus não pregou a rejeição às formas culturais da religião, mas a encheu de graça e significado. Ao fazê-lo, virou o “establishment” religioso de cabeça para baixo. Não porque os odiasse, mas porque os amava. Quando entendemos este amor, passamos a colecionar as graças mais diversas encontradas por toda parte e em todas as formas religiosas. Passamos a nos compadecer dos homens que tentam reproduzir o sublime tanto nas igrejas-garagens como nas catedrais. 
 
A graça se torna história coletiva e toma a forma da casinha de madeira que hospedou a primeira Assembleia de Deus fundada no Brasil ou da catedral Metodista, de concreto cinza, ainda imponente, e que diz ao bairro Liberdade, em São Paulo: “Ele se importa”. A graça se torna memória nos hinos antigos e coletiva quando sai de mim e é formalizada no plural, no serviço religioso. Negar a importância dos símbolos, dos cheiros, dos sons da mensagem sublime de Deus, manifesta na religião, é negar a nossa condição humana. 
 
O Verbo se fez carne. Para que continue se fazendo carne hoje, ele nos chama como somos: seres culturais. Seres que sinalizam a mensagem divina por meio de ideias, rituais, hábitos, projetos arquitetônicos, propostas de ressocialização, conversas, pregações, músicas, pinturas, esculturas. Tudo o que faz parte da vida humana pode ser transformado em mensagem divina. Este processo de divinização coletivizada se chama religião. 
 
É preferível, então, se ter religião a ser religioso. O religioso é aquele que faz da forma o seu deus. Pergunto-me se não é isto que muitos dos que protestam contra a religião estão fazendo. O Deus que advogam é tão pequeno que não pode se misturar à história e à sociedade humana e sair incólume. Jesus é diferente. Senta-se humildemente na igreja-garagem ou levanta-se com voz impostada para pregar nas catedrais, sempre ocupado em tocar vidas. 
 
Bráulia Ribeiro • trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical.

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