Caio Fábio - A cerca de uma possível Reforma I

Sou de origem Presbiteriana e Católica. Meu pai era Católico e minha mãe Protestante Reformada. Portanto, sou filho das culturas religiosas e cristãs que mais fortemente moldaram o Ocidente: o catolicismo e o protestantismo. Daí, tudo o que eu falar a respeito, será com muita dor, posto que mesmo agora, enquanto escrevo, choro, vendo aquilo no que a fé em Jesus se tornou entre os cristãos em geral. 

É obvio que a Cristandade é maior do que esses dois veios entre os quais eu cresci. Porém, não há dúvida quanto ao fato de que eles são os mais importantes na Cristandade, historicamente falando.
 

De fato, de certa forma, o que aconteceu ao Cristianismo no Brasil é demonstrativo do que aconteceu ao Cristianismo no mundo todo. Portanto, ao falar de qualquer coisa relacionada ao Cristianismo brasileiro, sei que estou falando também de algo que é tão variado como fenômeno, que pode ser visto como boa síntese do que aconteceu ao Cristianismo no mundo. Quem acompanha o que está acontecendo ao Cristianismo no mundo, incluindo todos os regionalismos, sabe que no Brasil cada uma dessas peculiaridades religiosas e culturais, indo dos Católicos aos Reformados—com todas as variáveis desses movimentos—, dos Pentecostais aos Neopentecostais—com todos os matizes possíveis, indo da tradicionalíssima Assembléia de Deus, à Universal e seus filhotes de franquia—, são manifestações locais e gigantescas do que acontece no mundo, na maioria das vezes sem a diversidade com qual o fenômeno cristão se manifesta no Brasil.
 

Digo isto apenas para chegar ao significado da Cristandade no mundo de hoje e no Brasil. Na minha opinião o “Coisa-ruim” não tem muito com o que se preocupar no Brasil. “Pé-de-cabra”, por aqui, conseguiu levar a maioria a praticar o “Cristianismo e...”; o que é ainda pior do que “Meramente Cristianismo”; ou ainda pior do “Cristianismo e Nada Mais”.
 

Ora, o que estou dizendo é que a questão é mais profunda do que “Cristianismo e”. De fato, o problema é o “Cristianismo”.
 

O que os cristãos precisam saber é que Jesus não era cristão, e que nem tampouco quis Ele fundar o Cristianismo, nem ainda teve Ele interesse em algo que se assemelhasse à civilização cristã ou mesmo com a “Igreja”, conforme nós a conhecemos de 332 de nossa era até hoje.
 

Na realidade, quem entendeu o Evangelho e seu significado, sabe que o Cristianismo já é uma grande vitória do “Coisa-ruim”, posto que ele (o Cristianismo) já é uma perversão, transformando o Evangelho puro e simples numa religião, com Dogmas, doutrinas, usos, costumes, tradições com poder de imutabilidade, moral própria, e muita barganha com os homens, em franca e pagã manipulação do nome de Deus, praticando, assim, uma obra de estelionato contra o Evangelho de Cristo.
 

Jesus criou o caminho da fé na graça e no amor de Deus, o que deveria ser algo livre como o vento, e vivo e móvel como a água.
 

Quem pode ouvir o ensino de Jesus, com toda sua desinstalação, com toda a sua mobilidade, com toda a sua liberdade de aplicação sem legalismo ou fixidez, com toda a confiança do Semeador no poder da semente-palavra, com toda ênfase na igualdade de todos, com toda a vindicação de individualidade para cada um, com toda denuncia aos poderes religiosos, e com toda a pertinência à vida—fosse para curar a mente, o corpo ou o espírito; fosse para anunciar a destruição do Templo como lugar de Deus; fosse para beatificar samaritanos e demonizar religiosos sem coração—; e, ainda assim, imaginar que Jesus tem qualquer coisa a ver com o que nós chamamos de “igreja”, seja aquela que se abriga no Vaticano, ou sejam aquelas que têm tantas sedes quantos pastores, bispos e apóstolos megalomaníacos existirem?
 

O mundo praticamente só conheceu o Cristianismo, posto que a própria Reforma ainda foi um desses “e” acerca do qual o “Coisa-ruim” falou com o “Pé-de-cabra”.
 

O mundo não teve ainda a chance de conhecer o Evangelho, conforme Jesus, e conforme as dinâmicas livres e libertadoras do caminho, conforme as narrativas dos evangelhos, nas quais o único convite que existe é para se “seguir” a Jesus.
 

Uma Reforma é ainda “remendo de pano novo em veste velha”.
 

Buscar reformar o Cristianismo é uma nobre idealização do “Coira-ruim”, pois, assim sendo, nada muda, mas apenas se adia o comprometimento radical que o Evangelho demanda.
 

O Cristianismo é uma tentativa vitoriosa do “Coisa-ruim” quanto a tentar diminuir a loucura da pregação e o escândalo da Cruz.
 

O Cristianismo é a cooptação feita culturalmente pelos gregos e politicamente pelos romanos, daquilo que um dia havia sido apenas o Caminho, conforme o livro de Atos dos Apóstolos.
 

No Cristianismo Deus tem Seus representantes fixos e certos na terra—o clero, seja ele Católico ou Protestante—, tem Suas doutrinas e Dogmas escritos por concílios de homens patrocinados por reis, e tem na sabedoria deste mundo seu instrumento de elaboração de Deus: a teologia.
 

No Cristianismo Deus é objeto de estudo e de sistematização teológica; e, de fato está a serviço de ideologias variadas.
 
Desse modo, no Cristianismo, “Deus” não passa de uma Potestade religiosa e de um poder mantido pelos homens, posto que se crê que sem o Cristianismo e a Igreja, Deus está perdido no mundo.

Ora, que reforma há a ser feita naquilo que não deveria jamais ter existido?
 

De fato, a coragem que se demanda desta geração é bem maior do que aquela que fez com que camponeses oprimidos pelo papado de Roma tiveram que ter a fim de iniciar a Reforma. Digo isto porque ‘ali’ a mudança não era radical.
 

A Reforma arrancou os ídolos do lugar do culto, e os retirou da devoção dos fiéis; aboliu o papado, acabou com boa parte do clero conforme a formatação católica, e afirmou que a Graça, Cristo, a Escritura e a Fé eram os ‘pilares’ sobre os quais a “igreja” deveria ter seus fundamentos.
 

No entanto, a Reforma não se viu livre das técnicas gregas de ‘fazer teologia’ e suas sistematizações, e nem abriu mão do logicismo grego, antes utilizando-se dele a fim de criar seus próprios credos, dogmas, doutrinas e leis morais.
 

A Reforma é um Catolicismo que fez Dieta. Só isso.
 

Todavia, a coragem revolucionária que o Evangelho demanda de cada geração a fim de viver o continuo processo de conversão e de não conformação com este mundo, é aquela que se lança ao vento, e caminha pela fé, e que se dispõe a se deixar reinventar conforme o espírito do Evangelho, posto que o Evangelho não propõe uma religião, mas o Caminho.
 

Ora, isso significa que cada nova geração tem que ter a coragem de vestir o Pano Novo do Evangelho no seu tempo e beber o Vinho Novo do Reino em odres novos conforme a atualização que o espírito do Evangelho faz de si mesmo em cada nova era na existência dos humanos.
 

O Cristianismo não acabará. Ninguém tem o poder humano para acabar uma confraria moral e religiosa movida por tantos e tão variados interesses humanos e mundanos como o é o que acontece com a religião cristã.
 

Eu, de mim mesmo, e apenas tomando a liberdade de pensar e crer que o Evangelho me concede, acredito que se há de haver um “anti-cristo” humano na terra, sem dúvida, ela será “cristão”. Afinal, eles “procedem do meio de nós”; e, historicamente, nada significou um estelionato mais sutil e maligno do que a perversão do Evangelho no Cristianismo.
 

O Brasil está cheio de Cristianismo, e, paradoxalmente, morto do Evangelho.
 

“Coisa-ruim” e “Pé-de-cabra” estão de férias, aproveitando que o trabalho deles já tem muitos e muitos voluntários em pleno engajamento, e trabalhando com toda avidez, dizendo que o que realizam é em nome de Deus, sem saberem que fazem a vontade do “Coisa-ruim”.
 

Caio

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