Perguntas da Reforma para calvinistas e arminianos


Por Rubem Amorese

As comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante (31 de outubro de 1517) em curso nas igrejas evangélicas em todo o mundo trazem de volta à mesa de reflexão dezenas de temas interessantíssimos. São, em particular, os conteúdos frequentes entre os reformadores, a começar pelas 95 teses de Lutero e seus desdobramentos.

Acredito que a discussão mais profunda e longa de todas seja aquela que separa calvinistas de arminianos. Essa divergência, bastante complexa, costuma ser simplificada na questão do livre-arbítrio versus responsabilidade humana. Noutra versão, o mesmo tema aparece como a contraposição entre o livre-arbítrio e a predestinação. Ou então, ainda, entre a soberania de Deus e a autonomia dos homens, com relação à sua salvação.

Não, não vou tentar me posicionar sobre essa questão. Gostaria apenas de propor um aspecto para ambos os lados considerarem, se é que se pode reduzir esse universo cheio de incertezas e mistérios a dois lados. E o ponto a sugerir é o mistério da gratidão.

Talvez o grande problema dessas discussões todas é que não temos sabido como harmonizar algumas peças da nossa "equação da salvação". Elas nos parecem tão incompatíveis que somos induzidos a optar. Assim, se a fé é condição para a salvação (sola fide), ela também aparece em diversos textos e contextos bíblicos como um elemento misterioso. De onde ela vem? É dom de Deus? E como posso ser exigido, se é um dom? Ah, sim, predestinação: a fé é exigida de todos, mas somente para alguns a resposta positiva é possível. 

Mas se a fé for dada a todos, como uma semente plantada, cabendo ao homem a tarefa (e opção) de fazê-la brotar, então deslustra-se a soberania de Deus, como se ele ficasse a esperar pela ação do homem? Isso não seria diminuir a sua onipotência? Mas se for assim, como entender um Deus que diz: "Ah, se me ouvísseis!" ou então: "filho meu, dá-me o teu coração", ou ainda: "eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta...". Alguém imediatamente retrucaria: "só ouvirão e abrirão aqueles que receberam ouvidos para isso, porque "aqueles que o Pai me dá, esses virão a mim". E acrescentarão: "esses e somente esses". Portanto, aqueles que o Pai não me der, só lamento.

Então, eu passo a tentar harmonizar, do mesmo modo, a gratidão com a soberania de Deus. Será que ele espera gratidão de nós? E imediatamente nos lembramos dos dez leprosos: "onde estão os nove?". Ou de Paulo, a ensinar: "em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco." Impossível deixar de ver nessas referências uma exortação, um apelo à nossa vontade, à nossa obediência, à nossa devoção, ao nosso amor.

Vale retornar ao relato dos leprosos, para contemplar o momento em que a gratidão se harmoniza com a fé: "Não houve, porventura, quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro? E disse-lhe: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou."(Lc 17:17-19). O samaritano se lança em terra e agradece. E Jesus lhe exalta a fé salvadora. No gesto de gratidão Jesus viu a fé. 

Com base nesse relato, eu perguntaria a calvinistas e arminianos: o que vem primeiro: a gratidão ou a salvação? Em outros termos: a gratidão provém da fé ou ambas não vêm de vós, são dons de Deus?

Alguém já disse: "não é a felicidade que nos faz agradecidos, mas a gratidão é que nos faz felizes". E eu pergunto em seguida: que tipo de fé é capaz de salvar um coração ingrato? Porque esse coração não admite dívida. Sua fé, se existe, não é a de um devedor, mas de um credor.

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