Mais Alguma Pergunta? Ed René Kivitz
– Quem são vocês?
– Somos seguidores de Jesus Cristo.
– Então vocês são cristãos, como
dizem por aí?
– Isso.
– Onde estão seus sacerdotes?
– Não temos sacerdotes.
– Mas todas as religiões têm seus
homens sagrados.
– Isso nós temos.
– “Isso” o quê?
– Homens sagrados.
– Quantos são?
– Não fazemos a menor ideia.
– Como assim? Onde eles estão?
– Espalhados pelo mundo.
– Onde, por exemplo?
– Aqui.
– “Aqui” onde?
– Nós.
– “Nós” quem? Vocês?
– Isso.
– Ah, tá bom!
– …
– Quer dizer que vocês são os homens
sagrados da religião de vocês.
– Não, não somos os homens sagrados
da nossa religião. Somos apenas homens sagrados.
– Então vocês são sacerdotes?
– Mais ou menos.
– Mais ou menos como?
– Somos sacerdotes, mas não como você
está pensando.
– E como eu estou pensando?
– Você está pensando que somos
autoridades religiosas.
– E não são?
– Não.
– Por quê? Vocês são contra as
autoridades?
– Não.
– Mas acabaram de dizer que não têm
autoridades religiosas.
– Não, não foi isso o que dissemos.
Você entendeu errado.
– Então o que é que vocês estão
dizendo?
– Estamos dizendo que não somos
autoridades religiosas.
– Mas são sacerdotes.
– Sim.
– Não estou entendendo.
– Não, não está.
– Então expliquem.
– Todos os seguidores de Jesus Cristo
são sacerdotes.
– E quem é o maior entre vocês?
– Jesus Cristo.
– Mas ele está morto.
– Não, está vivo.
– “Vivo” como?
– Vivo, oras.
– Como “vivo, oras”?
– Vivo em nós, no meio de nós, sobre
nós, exatamente aqui e agora.
– Aqui?
– Também.
– Em todo lugar?
– Isso.
– Somente Deus está em todo lugar.
– Então…
– Como assim? Vocês pensam que ele é
Deus?
– Sim.
– Então vocês não são apenas
seguidores de Jesus Cristo. Na verdade, são adoradores de Jesus Cristo.
– Isso.
– E onde fica o templo de vocês?
– Não temos templo.
– Como não têm templo?
– Não precisamos de templo.
– Por que não?
– Precisávamos de templo quando
oferecíamos sacrifícios a Deus.
– E vocês não prestam mais culto ao
seu deus?
– Daquele jeito, não.
– Que jeito?
– Sacrificando animais.
– E por que vocês não sacrificam mais
ao seu deus?
– Nós sacrificamos.
– Mas acabaram de dizer que não
oferecem mais sacrifícios de animais.
– Isso.
– “Isso” o quê?
– Não sacrificamos mais animais.
– E por que não?
– Porque não é mais necessário.
– E por que não é mais necessário?
– Porque Jesus Cristo é o Cordeiro de
Deus que tira o pecado do mundo.
– Então vocês não precisam mais
prestar culto ao seu deus?
– Você ainda não entendeu.
– Então expliquem!
– Não precisamos mais ir ao templo
oferecer sacrifícios de animais. Mas isso não significa que não prestamos culto
ao nosso Deus.
– E que tipo de sacrifício vocês
oferecem ao deus de vocês?
– Nós mesmos.
– Como assim?
– A nossa vida toda é um sacrifício a
Deus.
– Como assim?
– Tudo o que fazemos, fazemos para a
glória do nosso Deus.
– “Tudo” o quê?
– Tudo. A vida toda é um culto a
Deus.
– Tudo, tudo?
– Pelo menos é o que tentamos.
– Mas há uma coisa especial que vocês
fazem como um ato de adoração ao seu deus?
– Sim e não.
– Como assim?
– Não, porque, como dissemos, tudo o
que fazemos é ato de adoração. Porque na verdade não é o que fazemos ou
deixamos de fazer que é o ato de adoração, mas nós mesmos, isto é, a nossa vida
em si.
– Como assim?
– Você não ouviu a gente dizer que
somos seguidores de Jesus Cristo?
– Sim. E daí?
– Daí que seguimos os passos dele. E
se ele morreu, também morremos. E se ele ressuscitou pelo poder de Deus, nós
também ressuscitamos. E agora não vivemos mais para nós mesmos, mas para o
nosso Deus, que nos deu vida.
– Acho que estou entendendo.
– Mesmo?
– Sim. Vocês não têm sacerdotes, não
têm templo, não oferecem sacrifícios de animais.
– Isso.
– Mas vocês têm uma coisa especial
que fazem como ato de adoração ao seu deus?
– Sim e não.
– Já entendi a parte do “não”. Vocês
não têm uma coisa especial porque tudo o que fazem é adoração. Na verdade,
vocês mesmos são o ato de adoração, porque agora vivem para o deus de vocês.
– Isso.
– Mas e a parte do “sim”?
– A parte do “sim” é que temos, sim,
uma coisa especial que fazemos para o nosso Deus.
– O quê?
– Cuidamos das pessoas.
– Quais pessoas?
– Aquelas de quem somos próximos.
– Como assim? Quem são elas?
– Todas as que cruzam o nosso
caminho.
– Eu, por exemplo?
– Sim, você.
– Mas, como assim, cuidam das pessoas
como ato de adoração? Então vocês adoram as pessoas?
– Não, não é isso. É que vemos Jesus
Cristo nas pessoas, especialmente naquelas que estão sofrendo, nas que têm
fome, sede, estão presas, doentes, por exemplo.
– Acho que está ficando mais claro…
– Que bom que está entendendo.
– Deixa eu ver se entendi.
– Fala.
– Vocês não têm templo porque não
precisam mais fazer sacrifícios, e por isso não precisam mais ir ao templo.
– Isso.
– Pelo mesmo motivo não têm
sacerdotes, pois não precisam mais de pessoas que façam os sacrifícios por
vocês, já que vocês, isto é, a vida de vocês é que é o sacrifício.
– Muito bem.
– De fato, tudo o que vocês fazem é
para o deus de vocês, especialmente cuidar das pessoas que precisam.
– Isso.
– Tenho mais uma pergunta.
– Pois não.
– Qual é o dia sagrado de vocês?
– Também não temos.
– Vai dizer que vocês vivem desse
jeito todos os dias?
– Nossos antepassados tinham um dia
sagrado: o sábado. Mas isso era no tempo quando precisávamos ir ao templo levar
os animais para que os nossos sacerdotes fizessem os sacrifícios. [Nesse ponto
discordo em parte, mas há muita verdade até mesmo aqui. Esse assunto precisa
ser discutido em outro momento.] Agora que nos entregamos ao nosso Deus como
sacrifício vivo, o verdadeiro ato de adoração é viver para ele.
– E como é que vocês vivem para Deus?
– Vivendo para o próximo.
– Então todos os dias são sagrados
para vocês?
– Isso.
– Essas coisas que vocês disseram têm
um nome?
– Explique melhor.
– Isso aí é o que chamam de Cristianismo?
– Não.
– Mas o Cristianismo não é a religião
de Jesus Cristo?
– Não.
– Como não?
– Cristianismo é a religião de
Constantino.
– O imperador romano?
– Isso.
– Por quê?
– Porque foi Constantino quem começou
a montar de novo tudo o que Jesus Cristo havia desmontado.
– Como assim?
– Jesus ensinou que não precisamos
mais de templos, sacerdotes, sacrifícios e dias sagrados. Ensinou que Deus é
espírito e importa que os que o adoram, o adorem em espírito e em verdade.
– Isso é o que vocês dizem que é fazer
da própria vida um ato de adoração?
– Isso mesmo.
– E o tal do Constantino?
– Então: foi ele quem começou a
construir templos dedicados a Deus, oficializou um dia da semana para os
cultos, inventou que prestar culto a Deus é uma coisa que se faz nos templos,
nomeou sacerdotes, e começou essa confusão que você está vendo.
– Então isso que vocês explicaram não
tem nome?
– Tem.
– E qual é?
– Evangelho.
– Ah, já ouvi falar, mas pensava que
era a mesma coisa que Cristianismo.
– Mas não é.
– Sei.
– …
– Mas tem mais uma coisa que não
estou entendendo.
– O que é?
– Só mais uma pergunta.
– Pode fazer.
– Por que é que inauguraram um Templo
de Salomão em São Paulo?
– Não sabemos.
– Mas eles também não são seguidores
de Jesus Cristo?
– Também não sabemos, pergunte para
eles.
Ed René Kivitz é pastor da Igreja
Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor
de, entre outros, “O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia”.
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