Ao amigo, com afeto por Ricardo Gondim
Desejo que em tuas tristezas, bem
como em tuas alegrias encontres o ombro displicente de outro amigo, o ouvido
discreto de um irmão e o olhar afirmador do Pai.
Desejo que em tuas ansiedades, diante
da insegurança do porvir, aprendas a resignar-te. Quando te faltarem forças
para lutar ou coragem para retroceder diante do impossível, que o teu sorriso
expresse a paz dos que se reconhecem impotentes.
Desejo que desaprendas a arte de
dissimular, o ofício de negacear e a obrigação de suplantar. Que a tua
caminhada seja serena como o ribeiro que se espreme entre rochas. Deixa-te
evaporar no tempo como o hálito que manchou o espelho. Sê discreto como o sal
que temperou a carne. Sê transparente como a luz que colore o céu.
Desejo que te mantenhas sensível em
tuas decepções. Deixa-te ferir com o sofrimento mais longínquo. Considera a
miséria um demônio; a injustiça, uma deusa sanguinária e a indiferença, um
inferno. Não te intimides em transformar-te em poeta. Converte a tua dor em
verso, e que o teu cantarolar desafogue, com beleza, a indignação que te abate.
Desejo que sigas incógnito em tua
busca por sentido. Não te inquietes com cenhos amedrontadores. Não te apequenes
em tua insignificância. Não existem sinas a priori, vidas predestinadas, formas
idealizadas de existência ou projetos pré-concebidos em alguma mente.
Desobriga-te de suprir qualquer expectativa. Não te sintas lisonjeado e nem te
enganes com o aplauso da multidão. A mão que te afaga hoje poderá apedrejar-te
amanhã.
Desejo que as tuas insônias se
mantenham intermitentes, espaçadas. Que aprendas a bordar esperança na
escuridão da madrugada e que os anseios tecidos nas trevas virem ações no raiar
do dia. Guarda os teus sonhos para os amigos mais íntimos. Para quê dizê-los a
quem não respeitaria a imensidão de teu inconsciente? Transita pela sombra.
Foge das luzes da ribalta. Resguarda-te. Se tens que seguir pela avenida,
faze-o com discrição. Constrói-te em segredo.
Desejo que a tua espiritualidade seja
suave como o balançar de uma folha na calmaria do outono; e o teu silêncio,
reverente como uma prece. Torna-te um com o teu próximo para encontrares lugar
na mesa do banquete universal. Logo todos voltaremos ao mesmo nada que
antecedeu o dia em que nascemos. Que a tua memória seja doce no coração dos que
te sobreviverem e eterna no coração de Deus.
Soli Deo Gloria
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