Não sei o que falar

Lembro-me de te ver pelos corredores da faculdade, com um café e um cigarro. Abraçava-te. Trocávamos algumas palavras. Tu sempre dizias que nós deveríamos construir algum artigo científico juntos. Eu concordava. No entanto, terminava me esquivando dessa missão. Eu te achava tão inteligente, tu articulavas as conversas com tantas bases teóricas, com tantas leituras, tantos fundamentos... confesso que eu não me sentia à altura de produzir algum texto acadêmico contigo. No fundo, sou só um cordelista, sabes? Sou só um poeta popular...

Sim. Tu sabias disso. Tanto é que me convidaste para recitar alguns poemas em um colégio particular onde trabalhavas. Na verdade, entregaste meu número para a professora organizadora e ela me chamou. Mas a ideia foi tua. Fiquei honrado pela lembrança. Tu ainda filmaste minha participação. Prometeste me entregar. Eu nunca tive coragem de cobrar. Sempre te via tão ocupado, tão cheio de atribuições...

Eu queria ter te dito que gostava de te conhecer. Lembro-me da última vez que te vi. Foi tão rápido. Na rua. Nossos cumprimentos foram comuns. Mas te ver promovia alegria em mim. Sempre que estava contigo, eu sabia que estava ao lado de uma pessoa que veio deixar sua marca no mundo. Gente de pensamentos, de propósitos... tua alegria contagiava...

Na realidade, eu te conhecia desde antes da faculdade. De uma fotografia. De uma visita. De uma publicação. Era assim que eu te conhecia. Não tivemos tempo de estreitar laços. Nem precisava. Saber que no mundo havia pessoas iguais a ti já servia. E eu só esperava te ver brilhando. Eu queria aplaudir. Mesmo de longe.

Ainda não consigo entender tua partida prematura. Tu amavas tanto a vida. Eu nunca pensei que tu poderias, em algum momento, não encontrar vida na vida. Eu nunca pensei que tu poderias entrar em desespero. Eu nunca pensei que tu poderias enxergar a tua imagem no retrato da dor.

Creio que a Trindade te abraça com carinho, amor e misericórdia. Peço que a Trindade conforte tua família. E nos conforte também.

Neste momento, fico me perguntando quantos queridos podem não estar na mesma situação em que tu te encontravas... quantas pessoas podem estar desesperadas? Quantos futuros brilhantes podem estar projetando a auto-escuridão? Quantas vozes podem estar querendo se silenciar? Gostaria de ter te dito palavras que te trouxessem esperança. Gostaria de ter sensibilidade para perceber melhor... Desligo a luz do quarto e dialogo com meu silêncio. Gostaria de falar algo... mas, não sei o que falar.


Jénerson Alves
Publicado no Jornal Extra de Pernambuco

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