O JUSTO E O QUE PARECE JUSTO

Pr. Ed René Kivitz
Uma moeda de prata por dia, traduz um denário, ou o salário mínimo por um dia de trabalho. Isto é, o mínimo necessário para que um ser humano viva mais um dia. Em termos práticos, o trabalhador que recebe menos de um denário, a médio e longo prazos, adoece ou morre.
A “parábola dos trabalhadores da vinha” contada por Jesus [Evangelho Segundo São Mateus, 20.1-16] me levou a duas considerações que afetam o dia-a-dia das relações entre a vida humana e a sociedade de mercado e consumo.
A primeira é que a vida humana está além dos critérios de justiça. Viver é um direito que transcende o mérito. Viver não é para quem merece, é para quem está vivo.
Outra consideração é que a vida humana está além dos critérios de produtividade. Viver é um direito que transcende a contabilidade produção homem/hora. Viver não é para quem é útil ou produz mais. Viver é para quem é está vivo.
Jung Mo Sung entende que a vida humana não tem valor, tem dignidade. Dizer que a vida humana tem valor implica categoriza-la entre as coisas que podem mensuradas, avaliadas conforme sua utilidade e hierarquizadas, tipo o que vale mais e o que vale menos. A vida humana, por sua dignidade intrínseca, uma vez portadora da imagem e semelhança de Deus, escapa qualquer escala de valores.
A noção de que o trabalhador que começou sua jornada às 6 da manhã merece um denário, mínimo de um dia, e o que trabalhou apenas uma hora, das 5 às 6 da tarde, merece menos, sustenta a lógica dos sacrícios humanos. Menos de um denário é menos do que o suficiente. Quem recebe menos do que o suficiente, tem os dias contados. A lógica do merece mais/menos, trabalhou mais/menos, ou produziu mais/menos, aos poucos é transferida do critério quantitativo para o qualitativo. Indo mais longe, de maneira sutil e imperceptível, a valoração do trabalho é transferida para a valoração humana: não apenas o trabalho do neuro-cirurgião vale mais do que o trabalho do motoboy (o que não está em discussão aqui), como também o neuro-cirurgião em si vale mais do que o motoboy.
Não é espanto, portanto, que na Babilônia tudo esteja à venda. Desde os “artigos como ouro, prata, pedras preciosas e pérolas; linho fino, púrpura, seda e tecido vermelho; todo tipo de madeira de cedro e peças de marfim, madeira preciosa, bronze, ferro e mármore; canela e outras especiarias, incenso, mirra e perfumes, vinho e azeite de oliva; farinha fina e trigo, bois e ovelhas, cavalos e carruagens”, como também e principalmente, “corpos e almas de seres humanos” [Apocalipse 18.12,13].
Essa é a razão porque não é muito difícil encontrar quem esteja disposto a “vender o justo por prata e trocar o pobre por um par de sandálias” [Profeta Amós 2.6]. Jesus foi crucificado assim. Julgado pelo critério de utilidade e produtividade, conveniência e custo/benefício, é melhor que seja sacrificado. Caifás, o sumo sacerdote, defendeu a morte de Jesus com essa lógica pragmática e utilitarista: “Vocês não enxergam? Não percebem que é preferível um homem morrer pelo povo que uma nação inteira ser destruida?” [João 11.49,50].
Ele trabalha pouco? Que morra.
Ele não trabalha? Que morra duas vezes.
O trabalho dele não é bom o suficiente? Que morra.
O trabalho dele não nos é conveniente? Que morra.
Ele não atingiu a meta do trimestre? Que morra.
Ele não tem a produtividade desejada? Que morra.
Ele não vale o prato que come? Que morra.
Ele não fez por merecer? Que morra.

Jesus ficaria horrorizado com esse discurso. Mas que parece justo, parece.

  


Ed René Kivitz é Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo; pastor presidente da Igreja Batista de Água de Água Branca, em São Paulo; autor de Quebrando paradigmas (Abba Press), Vivendo com propósitos, Outra Espiritualidade e O livro mais mal humorado da Bíblia (Mundo Cristão); idealizador do Fórum Cristão de Profissinais.

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