“A igreja continua morna e cega, precisando de cura por todos os lados”
Sérgio
Pavarini é um blogueiro provocador por natureza. O jornalista e publicitário
esteve em Recife no dia 22 de setembro, para participar de um bate-papo
realizado pela ONG Visão Mundial na Livraria Cultura. O repórter Jénerson
Alves, colaborador de Presentia, entrevistou com exclusividade um dos maiores
especialistas em redes sociais do país. Na ocasião, Pavarini falou sobre
engajamento político, a postura da igreja na internet e os rumos da Educação,
entre outros assuntos. Vale a pena conferir as provocações apimentadas do
editor do Pavablog (site com mais de 200 mil seguidores).
Você veio a Recife participar de um
evento da ONG Visão Mundial. Conte um pouco sobre isso...
É um evento
ligado ao engajamento e envolvimento de jovens via internet. Ou seja, como os
jovens podem se engajar através da internet. Na verdade, eu sempre venho a
Recife para aprender. As experiências estão todas aqui. 180 mil horas de
trabalho voluntário é algo para a gente morrer de inveja e orar para que isso
se espalhe pelo Brasil inteiro.
Você acha que a Igreja evangélica
está abrindo mais os olhos para a questão do engajamento social?
Não. A
igreja continua morna e cega, precisando de cura por todos os lados. Jesus
precisa passar cuspe nos olhos da Igreja. Nossa sensibilidade está anestesiada.
Nós nos ocupamos tanto com nossas coisas que não nos comovemos quando vemos
alguém passando fome, precisando de alguma coisa. É como se fosse uma televisão
em nossa frente. A gente só falta querer pegar um controle remoto e desligar os
problemas das outras pessoas.
Essa ausência de sensibilidade tem
sido um ‘privilégio’ das igrejas que pregam a Teologia da Prosperidade ou
também existe nas igrejas tradicionais?
Só me
permita trocar o nome. Não podemos falar em ‘Teologia da Prosperidade’, mas em
‘Heresia da Prosperidade’. Convida-se os pastores que pregam esse tipo de
mensagem a ir ao interior de Alagoas, por exemplo, e ver como essa teologia
funciona lá. No entanto, é geral. É um clima de decepção no país. Estamos
anestesiados, precisando ser sacudidos. É aí que entra o lance dos blogs, das
redes sociais. Não acredito que meu papel seja tanto de sensibilizar, mas de
chacoalhar, mesmo, as pessoas.
Você mencionou essa questão da
internet. Como você avalia a inserção da igreja nas redes sociais? A igreja
quer criar guetos?
Olha, muito
interessante. No mês passado, me chamaram para um debate na TV, onde debati com
o criador do Faceglória. Lá no dia eu não falei, mas acho que isso vai deixar
de existir. Muita gente já tentou fazer isso, mas não é possível colocar muros
na internet. Na essência, a internet é um ambiente de liberdade. A gente está –
usando o dialeto bíblico – coando mosquitos e engolindo mosquitos de todos os
tipos.
Conta um pouco como começou sua
história com o Pavablog...
Toda a
história começa antes. Durante a faculdade de Jornalismo, eu fiz uma revista
para uma igreja que eu frequentava, na época, e ficava próxima à Avenida
Paulista. Essa revista era distribuída nas bancas da Paulista encartada nos
jornais. Na época, nós tentamos nos filiar à Associação dos Editores Cristãos e
a nossa filiação foi recusada porque disseram que nossa revista não apresentava
‘linguagem evangélica’. O interessante é que, alguns anos depois, eu fui
diretor desta Associação. Essa revista me deu uma certa projeção. Daí, fui
convidado a editar um livro na Editora Vida. E isso foi se multiplicando. Nós
tivemos uma química muito legal: um publicitário com o cabelo no meio das costas
e um pastor assembleiano. Nós sempre pensamos muito diferente, mas com muito
respeito. Passei dez anos na Editora Vida e conheci o Brasil todo, pastores
famosos e anônimos. Foi nesse tempo onde aprendi a respeitar tudo isso que nós
temos.
O Pavablog surgiu
como uma extensão do Vidanet. Na verdade, nasceu como Blog do Vidanet. Quando a
Editora Vida foi vendida, conversei com meu chefe e ele disse que toda essa
criação foi minha, orientando-me a permanecer. Portanto, num surto egóico,
acabei colocando meu nome em tudo – Pavarini/Pavablog, enfim. Isso já faz dez
anos de blog. Eu brinco que vida de blog é mais ou menos como idade de
cachorro, portanto deve representar uns 60 anos (risos).
A partir
daí, incorporamos o lance das redes sociais, onde a interação é ainda mais
rápida. Hoje, nossa empresa trabalha nessa questão de produção de conteúdo.
Pavarini e Jénerson |
Você também gerencia o blog ‘Livros e
Pessoas’, que é uma forma de estimular a leitura. Como surgiu essa ideia?
Sempre fui
apaixonado por livros. Sou filho de professores e esse foi o maior legado que
eles me deram, o prazer da leitura. Não me lembro de meu pai ter me levado em
uma loja de brinquedos e ele me dizer: “escolha um brinquedo”. No entanto, toda
semana ele me levava para uma banca de revistas e dizia: “escolha o que
quiser”. Então, eu tive coleções de histórias em quadrinhos. Não havia nem
livraria na cidade, mas eu cresci no meio dos livros. Eu creio que um dos meus
chamados é ser um ‘evangelista das letras’, alguém que estimule as pessoas a
ler. Quem lê tem uma posição profissional melhor, tem um salário melhor, é mais
engajado, discute, é melhor em qualquer área. Atualmente, mesmo tendo uma
agenda meio doida, continuo lendo bastante.
Você coloca ‘redomas’ nas suas
leituras? Há certos tipos de livros que você não lê?
Nada disso.
Hoje pela manhã, eu terminei de ler um livro é sobre uma adolescente que tem
dúvida de sua sexualidade. O livro é recomendado pelo John Green, por exemplo.
Terminei de lê-lo e comecei a ler o livro do Laurentino Gomes com o Osmar
Ludovico sobre a peregrinação a Jerusalém. O livro é a coisa mais linda. Na
mesma manhã, li dois livros completamente diferentes e me diverti com ambos.
Ler é uma coisa, pegar como preceito para a vida é outro. É preciso saber
diferenciar.
Os livros mais comerciais, às vezes,
são chamados de ‘subliteratura’ em relação aos clássicos. Como você avalia
isso?
Olha,
leitura é legal. Se começar com bula de remédio, está valendo. Há livros que a
gente classifica como ‘livros introdutórios’. Ninguém começa a vida comendo
feijoada. Primeiro, vem o mingauzinho e depois os alimentos mais sólidos. Não
tenho preconceito. Não consigo chamar os livros para adolescentes de
‘subliteratura’. Há um percentual gigante de livros assim que são muito
melhores do que alguns livros cristãos, por exemplo.
Você é filho de professores. Como
avalia a questão da desvalorização da docência no Brasil, tendo em vista que
até a procura por licenciaturas tem diminuído?
Há duas
semanas, eu estava na Bienal do Livro no Rio de Janeiro. Lá, conversei com um
garoto que havia ido da Bahia ao Rio de ônibus só para conhecer alguns autores.
Eu perguntei quantos livros ele havia lido este ano. Ele respondeu: “Li poucos,
uns cem”. Eu fiquei impressionado e disse que isso iria ajudá-lo muito profissionalmente.
Ele respondeu que já estava ajudando, pois ele estava na faculdade. Não me
lembro agora exatamente qual era o curso que ele fazia, se era Letras ou
Pedagogia, mas era uma licenciatura. Então, eu brinquei, dizendo que professor
não é valorizado. Ele me respondeu: “Não quero ser como os meus amigos, que
fazem o diagnóstico e só ficam na crítica. Eu quero contribuir com a mudança e
vou fazer minha parte. Ser professor é uma das formas mais legais que a gente
tem de interferir em um país”.
Cara! Eu
achei isso superlindo. A leitura produz esse tipo de consciência. A internet
nos dá muitas distrações – e eu sou um dos responsáveis, preciso de uma cruz
bem grande. Por isso, caminho com os livros, com o ativismo social. Caso
contrário, eu seria o palhaço que faz todo mundo dar risada e se divertir, mas
sem sobrar nada depois. A leitura é um instrumento de transformação.
Além disso,
eu faço perfis específicos para professores. Um deles é ‘Orgulho de ensinar’,
para valorizar o professor. Diariamente, troco mensagens. Faço campanhas de
livros didáticos. A profissão de professor tem sofrido um dos maiores desgastes
nas últimas décadas. Alguém precisa fazer alguma coisa para melhorar.
E com relação ao tipo de Educação
desenvolvido no Brasil. Você acha que há um utilitarismo, principalmente no
Ensino Médio, quando há uma espécie de fixação pela aprovação no vestibular?
Acredito na
solução regionalizada, do envolvimento dos pais, da participação dos alunos. Em
um estado como Pernambuco, é um pecado não estudar muito a cultura local. O
Brasil é de uma riqueza tão grande que tudo o que se tenta unificar fica só no
slogan, feito ‘Pátria Educadora’. Acredito muito na participação. Se a escola,
com os pais, com o Conselho, decidir que tem de mudar tudo, que mude-se tudo!
Rubem Alves dizia que “há escolas que são gaiolas”. Temos gaiolas demais e
liberdade de menos.
E você acha que a escola-gaiola é
incapaz de atender as demandas dos novos tempos?
Por isso que
há escolas que têm de proibir o uso do celular. O aluno passa a aula todinha no
smartphone porque nada que está sendo trabalhado na sala o interessa. Da mesma
forma, não o interessa muito o que acontece dentro da igreja. O problema não é
a tecnologia. O problema é o que está sendo oferecido para as pessoas. O
adolescente está em casa assistindo a uma série com vários efeitos especiais e
um roteiro inteligente e o manda para a igreja, querendo que ele fique 40
minutos quieto, ouvindo uma pessoa que às vezes nem estudou direito para falar.
Eu disse em
uma palestra na Colômbia que a tecnologia é nossa amiga. Então, o professor
deve usar o smartphone de forma pedagógica, criar um grupo no whatsapp para
discutir um trabalho, etc.
Fala um pouco do teu livro ‘A Minha
alma está a[r]mada (Ed. Saraiva)”.
A ideia foi
provocar, trazendo lições espirituais através do rock, e não de versículos
bíblicos. Todos os capítulos têm uma linha de rock. Minha intenção foi mostrar
que o diferencial está nos nossos olhos. Poderiam ser lições espirituais que
aprendi com Luiz Gonzaga, ou mesmo com o funk – é provável que eu consiga, se
observar um monte de coisa. É possível. O rock sempre foi tido como algo do
diabo, mas descobri que Deus também pode ser encontrado nele, seja de Raul
Seixas a NX Zero.
Tem algum outro livro na agulha?
Estou com um
ou dois projetos na cabeça, mas ainda não parei para fazer.
Vamos falar sobre Política...
Eu atendo a
políticos também. É claro que há cláusula de confidencialidade, mesmo dos mais
famosos. Sou fascinado por política, também para desconstruir os mitos bobos
que todo político é ladrão. Essas afirmações são rasas e preguiçosas. Conheço
deputados, prefeitos, políticos de caráter, que dentro do espectro de ação
deles conseguem fazer um trabalho legal.
No caso das
igrejas, acho que um bom serviço seria abrir os debates, para não ficar na
superfície. É muito interessante que as redes sociais encurtaram essas
distâncias. As pessoas vão à página do deputado ou do prefeito e apresentam
suas queixas.
Para encerrar, que mensagem você
transmite para os leitores de Presentia?
Morra de
ler. Questione. E, sobretudo, ame. Ame. E ame. Jesus disse que nós seríamos
conhecidos pelo amor. De alguma forma, nós erramos, pois passamos a ser conhecidos
pelo ódio e não pelo amor. Precisamos resgatar a essência do Cristianismo, de
um Deus que se autodenomina Amor.
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