Pastor foi “cuspido” da igreja e realiza trabalho missionário ao ar livre
Há 16 anos, o pastor
Daniel ‘Caveira’ realiza atividades no centro do Recife, inclusive com
homossexuais e garotas de programa
Jénerson Alves
Em tempos de malafaias e
felicianos, o pastor Daniel Oliveira aparece como um contraponto no mínimo
inusitado. A começar pelo nome, pois ele fez questão de informar à nossa
reportagem: “se colocar [meu nome] como Daniel Oliveira, ninguém vai saber quem
é. Todo mundo me chama de Daniel Caveira, mesmo”. Mesmo sendo pastor – formado
pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (STBN), em Recife/PE –,
‘Caveira’ não trabalha em um templo com paredes. Ele foi “cuspido” da igreja. “A
situação da sociedade me fez ser cuspido, no sentido de que não era possível
ficar dentro de um templo para fazer nosso trabalho”, esclarece.
‘Caveira’ está à frente da
ARCA, a Ação de Rua e Cultura Alternativa, que é uma iniciativa missionária
interdenominacional. Há 16 anos, o grupo atua no cenário urbano, principalmente
com trabalhos voltados para pessoas que estão à margem da sociedade.
Atualmente, a ARCA é formada por cerca de 80 pessoas, que se reúnem todos os
sábados, das 19h30 às 21h, no Parque 13 de Maio, localizado no centro do
Recife. Homossexuais, skatistas e garotas de programa estão entre o
público-alvo da ação.
Recentemente, Daniel
‘Caveira’ esteve em Caruaru e conversou com Presentia, contando um pouco as
suas experiências e comentando o cenário atual da igreja evangélica brasileira.
Sobre os recentes ‘conflitos’ entre evangélicos e homossexuais, ele opina: “A
igreja é quem mais perde com essa briga”. Confira:
O senhor disse que
foi “cuspido” da igreja, para poder fazer a obra de Deus. Como foi essa
experiência?
Só salientando que o ‘cuspido’ que eu falo não é que a
igreja local me colocou pra fora, mas a situação da sociedade me fez ser
cuspido, no sentido de que não era possível ficar dentro de um templo para
fazer nosso trabalho. Isso porque o conceito da sociedade para
com templo, igreja e pastor estava totalmente errado. Por esse problema, tive de ir para a rua,
tirar toda a caracterização da igreja tradicional, tirar parede e, a partir
desse trabalho, houve uma maior abertura para receber essa galera.
Sua igreja atende um
público alternativo, inclusive de homossexuais. Atualmente, há uma certa
polarização, com evangélicos de um lado e homoafetivos de outro. Como você
avalia essa distorção?
Eu acho isso uma grande infelicidade. De um lado, as pessoas
tendem a julgar o homossexual pelo ser homossexual. Muitas vezes, as pessoas
não conhecem a história. Se o homossexual ataca a igreja, a gente precisa
entender o porquê desse ataque, pois normalmente é por causa de uma experiência
que fez com que a igreja, para ele, representasse algo ruim. A igreja, por
outro lado, se sente dona da razão e julga. Eu acho que quem mais perde com
essa briga é a igreja, que tem por obrigação amar. O Evangelho de Jesus, em sua
essência, nos faz amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a nós
mesmos. Precisamos ser feito Jesus, que Se deu pelos outros. Quando a igreja
entra no embate político e social contra um grupo específico, isso não soa bem.
O cristão deveria, na verdade, resolver a coisa mediante o serviço e o amor. É
isso o que está faltando por parte da igreja.
Como começou esse
trabalho da Arca?
A gente está há 16 anos. Começamos com cinco skatistas. Foi
algo bem informal. A gente não tinha nada planejado do que é hoje e o trabalho
foi evoluindo e tomando forma, de acordo com as necessidades que foram aparecendo,
as pessoas, os seus problemas, as suas dificuldades. Nós vimos as pessoas que –
digamos assim – não eram tão atendidas pela igreja tradicional. Nós fomos
navegando pelos mares da violência sexual, da umbanda, dos homossexuais, da
prostituição. Aí, fomos criando um grupo que foi vivendo e atendendo a essas
pessoas. Hoje, nós somos uma igreja de rua que procura ser um espaço para,
literalmente, pregar a boa notícia do amor de Jesus e receber as pessoas,
independente de sua raça, seu credo, sua opção sexual. A gente recebe todo
mundo lá, promove louvor, promove a pregação da Palavra e, durante a semana, a
gente tenta fazer com que todo mundo se encontre.
Então, a questão
litúrgica é completamente diferenciada dos referencias da igreja tradicional?
Na verdade, isso foi e não foi intencional. Isso foi
acontecendo, por causa da necessidade. Quando você vai para a rua, você perde
toda a estrutura de templo, de instrumentos, de púlpito, tudo isso. Ao mesmo
tempo, foi legal porque a gente viu nisso a oportunidade de refazer tudo, de
acordo com o que a gente realmente necessitava, que era um momento de adorar a
Deus, em comunhão, e estudar a Bíblia. É algo simples, que praticamente só tem
os elementos. A gente não tem dirigente do culto, não há grupo de louvor ou
vocal principal. Os elementos simplesmente acontecem. A exposição da Palavra é
o texto pelo texto. Costumamos pregar sobre os livros, em sequência, por
completo, para que não haja pretextos em levar temas próprios ou intencionais.
Como acontecem batismos
ou recepção de membros?
A gente não tem, por enquanto, um acompanhamento formal, mas
a gente sabe que vai chegar um momento em que será necessário ter um certo
controle. Porém, até o momento, não foi vista a necessidade disso. Na Arca é
assim: se não há necessidade, não há a prática.
Ou seja, batismo é uma questão de tempo: já tem gente que
foi discipulada quer se batizar. Estamos nos organizando para isso acontecer.
Você falou sobre a
questão da necessidade. Já foi sentida, nesse período, a necessidade de
conseguir um templo para as reuniões?
Não. Ainda não. E eu acho legal isso, porque com uma
estrutura vem um monte de coisas: contas, manutenção. Hoje, a gente só não é
itinerante porque não muda o lugar, mas a gente é igreja onde estiver. Basta
sentar e estudar a Bíblia. É verdade que no inverno a gente sofre um pouco, mas
até nisso a gente tem tido – para os crentes a graça de Deus e para os ateus a
coincidência. Não chove no horário em que a gente está fazendo a Arca.
Quem quiser saber mais sobre a ARCA, pode acessar o site http://www.arcabr.com/.
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