Oswaldo Paião - Homem Feliz!

Você quer falar, expressar-se, dizer com todas as letras e sentimentos o que vai na sua alma; como vê o mundo, as coisas que fez no passado, como vive o presente, a visão que tem do futuro, mas não tem com quem conversar?
Sim, há muita gente pra se rir – sempre haverá mais gente que queira rir de qualquer coisa, inclusive das desgraças do mundo – há muita gente para “jogar conversa fora” e, hoje em dia, tendo um bom “pau de selfie" é fácil reunir um grupo de gente sorridente e disposta a gastar uns dois minutos se expondo ao mundo; mas isso não é conversa, diálogo, aprofundamento de ideias, razões e angustias.

E essa é a pior as masmorras da alma: ter que ficar calado tendo tanto pra dizer, e ainda fazer cara de feliz. Minha avó materna contava uma dessas histórias do interior, e durante as crises de asma que tinha em algumas noites, era assim que muitas vezes conseguíamos ver o dia raiar: contando e rindo das histórias.

Conta-se que dois macaquinhos, muito espoletas, foram pegos numa armadilha por um malvado dono de circo; os dois foram amarrados na parte de trás de sua carroça, mas o mais espoleta deles, com mais força e sufocava; o outro macaquinho olhando o colega com os dentes rangidos e à mostra lhe disse: “Não ri não companheiro, o caso é sério!”

Grande parte das neuroses do nosso tempo ocorre basicamente porque não temos interlocutor que seja fiel; não temos uma pessoa com quem falar e abrir os recônditos mais inescrutáveis do nosso ser para, ali, em pura confiança e santidade, dividir nossos fardos emocionais e razões, mesmo as mais escabrosas e inimagináveis.

Nas palavras do poeta ítalo-brasileiro Diogo Marthi: “Na vida todos temos um segredo inconfessável, um arrependimento irreversível, um sonho inalcançável e um amor inesquecível.” Bem, como dizia, Baruch Spinoza, cuja teologia influenciou grandemente o pensamento de Einstein: “Pensamentos e sentimentos são causados por experiências anteriores, paixões podem ser estudadas de forma desapaixonada, e o entendimento leva à transcendência.”

Claro que a gente não precisa concordar totalmente com o Spinoza, aliás não deveríamos concordar integralmente com nenhum pensador; porém é possível, sempre, aprender com quem pensa; e Spinoza – como todo ser humano – foi fruto das suas experiências e paixões (ainda que ele passasse a vida tentando negar as emoções).

Tudo tem um motivo, e a gente sempre tem que decidir entre pelo menos dois caminhos o que vai fazer da vida; nas palavras de Pelágio, um monge cristão que não concordava com Agostinho, tampouco com Calvino: “Sermos capazes de fazer o bem depende de Deus, mas o efetivamente praticá-lo depende de nós.”
Lembro-me de uma lenda contada pelo maior poeta cristão de todos os tempos, John Milton, em seu comentário sobre as escolhas; dizia Milton que o Diabo ao ser lançado na terra, contou com o apoio de seu secretário mais leal, que preocupado lhe indagara sobre seus sentimentos e o que seria do futuro, e o Cramunhão lhe respondera: “Prefiro ser senhor no Inferno que servo no Céu.”
Mas, concluindo nosso shiur pré carnavalesco; dizia que nossas experiências ajudam e, às vezes, determinam quem somos e quem seremos, só Deus pode mudar as nossas histórias; como definiu o famoso psiquiatra Irvin D. Yalom: “Caráter é destino.”

Baruch Spinoza, aos 24 anos, foi banido da sua comunidade judaica (exclusão e excomunhão, infelizmente, não são só coisas de cristãos) de Amsterdã; e a pena lhe fora tão severa, que sua própria família foi limitada a vê-lo, à uma distância máxima de proximidade de até 4,5 metros, ou seja, jamais poderiam abraçá-lo ou dar-lhe as mãos.

Irvin Yalom fez uma extensa pesquisa sobre Spinoza que publicou em seu livro; descobriu que Spinoza nutriu uma saudade imensa de Deus durante a vida toda, queria amar, mas negava-se a isso como única maneira que encontrara de sobreviver aos desapontamentos com os homens da religião, não com Deus.

Hoje, na Holanda, no museu de Rijnsburg, a 45 minutos de Amsterdã, encontra-se o maior acervo sobre Spinoza, todos os objetos dele foram doados àquele museu para pagar o próprio funeral de Spinoza, que morrera pobre, decepcionado com os dogmas humanos e a crueza da religião, mas – creio eu – em seu íntimo, crente em Deus; a única Pessoa com quem podemos falar a qualquer hora e, com toda a certeza, receber alivio, Palavra e bênçãos poderosas e paternas para as nossas almas aflitas e mal compreendidas.

Todos os “grandes homens e mulheres da terra” têm suas agendas lotadas e protocolos restritíssimos sobre com quem falar, quando e o que dizer; mas o Rei do Universo, nosso Pai Celestial, está sempre à nossa disposição, e deixa o seu trono de Glória em nossos corações, para caminhar conosco pela praia da vida; e assentar-se com a gente para ouvir e falar à nossa alma enquanto contemplamos a alvorada ou o pôr do sol. 

Shabbath Shalom!

Oswaldo Paião 

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