Os evangélicos não têm força para decidir a eleição para presidente

paul_freston_mesa2Leia a entrevista do sociólogo e colunista da revista Ultimato, Paul Freston, à Exame.com, publicada um dia antes das eleições, que definiram a ida para o segundo turno dos candidatos Aécio Neves (PSDB) e Dilma Roussef (PT).
São Paulo - Dos mais de 26 mil políticos que concorrem a algum cargo público nestas eleições, exatos 328 terão seus nomes expostos nas urnas acompanhados das palavras pastor, missionário ou bispo. O Pastor Everaldo (PSC), candidato à presidência, é um deles. 
O dado é um reflexo claro da disseminação da fé evangélica no país. Em 2000, 15,6% da população se declarava seguidor da religião. Dez anos depois, em 2010, a proporção pulou para 22,2% do total de brasileiros.
Estima-se que o eleitorado evangélico corresponda a 22% do total de brasileiros aptos a votar nestas eleições. O que rende cerca de 27 milhões de votos.
Com Marina Silva (PSB) disputando voto a voto um lugar no segundo turno com Aécio Neves (PSDB), muitos têm afirmado que a votação dos evangélicos pode ser decisiva. A candidata, que é membro da Igreja Assembleia de Deus, é a favorita entre todos os grupos da religião, segundo pesquisa Datafolha divulgada na última quinta-feira.
Segundo Paul Freston, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na prática, os evangélicos não têm peso para decidir uma eleição majoritária, como para presidente ou governador.
Obviamente, o número de seguidores da religião não é suficiente para garantir mais da metade dos votos. Além disso, por definição, a postura das igrejas evangélicas tende a não ser uniforme – tanto que as denominações se dividem no apoio a Dilma Rousseff (PT), Aécio e Marina.
“Numa eleição apertada, o favoritismo evangélico pode ser fiel da balança. Mas, numa eleição apertada, muita gente pode ser fiel da balança”, afirmou em entrevista a EXAME.com há duas semanas – portanto, antes da virada de Aécio Neves nas pesquisas.
Nas eleições proporcionais, que é o caso dos deputados federais e estaduais, a história é outra. De acordo com o especialista, uma igreja grande pode sozinha eleger um representante para a Câmara dos Deputados, por exemplo.
Fato que explica o comportamento da bancada evangélica na Câmara e, guardada as devidas proporções, uma suposta tentativa de “reeditar” o fenômeno do voto de cabresto dentro das igrejas. A prática, adotada nas primeiras décadas da República, consistia na compra de votos pelos então coronéis.
Na nova versão da prática, algumas lideranças religiosas sugeririam um candidato para os fieis. O esforço, contudo, nem sempre dá certo, segundo o especialista que tem origem anglicana e estuda a relação entre evangélicos e política no Brasil desde a década de 1980.
“Há muitos cálculos acontecendo na cabeça das pessoas. Quem é membro de igreja também é outras coisas, a sua vida não se reduz às paredes da igreja”, disse. 
Veja alguns trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com
EXAME.com – Líderes como o pastor Silas  Malafaia, realmente, influenciam o voto de mais de 27 milhões de eleitores evangélicos? 
Paul Freston - O Malafaia e outros do mesmo estilo querem aparecer como quem determina, quem faz a cabeça do imenso eleitorado do mundo evangélico. Não é bem assim. Se Malafaia é este grande fazedor de reis como ele acha, porque ele não conseguiu alavancar a campanha do pastor Everaldo? A gente tem que sempre desconfiar da autoimagem que este pessoal veicula. 

EXAME.com – Os evangélicos podem definir uma eleição? 
Paul Freston - É complicado operacionalizar essa identidade evangélica em função da candidatura para um cargo majoritário. Há um pluralismo político dentro da pluralidade evangélica. A própria ideia de comunidade evangélica é um pouco mito. Na prática, é uma infinidade de grupos que não se relacionam.

Numa eleição apertada, o favoritismo evangélico pode ser fiel na balança. Mas, numa eleição apertada, muita gente pode ser fiel na balança.
EXAME.com – Por que os evangélicos não pesam em uma eleição majoritária, como a presidencial? 
Paul Freston - As lógicas das eleições majoritárias e das proporcionais são muito diferentes. Por exemplo, se uma igreja em determinado estado tiver um candidato a deputado federal. Com 40% dos votos de todos os membros, o sujeito é eleito.
Nas eleições majoritárias, você tem que chegar a 51% dos votos. Não há evangélico suficiente para isso. Então, a lógica é outra.
EXAME.com –  O voto de cabresto está, realmente, presente nas igrejas brasileiras? 
Paul Freston - De certa forma, muitas igrejas pentecostais, não todas, têm feito uma reedição, uma encarnação mais urbana deste voto de cabresto tradicional. A tentativa de fazer isso existe.

EXAME.com – Gera resultados? 
Paul Freston - Muitas vezes, se retrata isso como se o pastor simplesmente falasse para as pessoas votarem em Fulano e todo mundo levanta, sai e vota no Fulano. A evidência das urnas não mostra isso.

Há muitos cálculos acontecendo na cabeça das pessoas. Quem é membro de igreja também é outras coisas, a sua vida não se reduz às paredes da igreja. A coisa é sempre mais complicada.
EXAME.com –  Qual é a lógica por trás da frase “irmão vota em irmão”, então?
Paul Freston - Até a década de 80, o que se ouvia dentro das igrejas pentecostais era “crente não se mete em política”. Com a Constituinte, em 1986, os pentecostais começaram a escolher internamente um candidato próprio. Para justificar a mudança, eles inventaram a frase “irmão vota em irmão”.
EXAME.com – Como evangélico protestante, o senhor concorda com este esforço? 
Paul Freston - Não, eu acho que é ridículo. A mera identidade religiosa não determina você votar em alguém. Além do mais, você tem a questão da experiência. Muitos dos que chegam por essa via são extremamente inexperientes, despreparados. Isso os deixa muito suscetíveis à corrupção. Então, por todos os indícios, essa frase irmão vota em irmão tem sido altamente questionável.

EXAME.com – Isso explica a postura da chamada bancada evangélica? 
Paul Freston - A maioria da bancada evangélica no Congresso é formada por eleitos quase que somente por votos na sua própria igreja. Isso cria uma relação muito enviesada. A pessoa tenta responder às demandas que vêm da igreja, sobretudo, da liderança que o escolheu. Por isso, esse pessoal é propenso a duas mazelas da vida política brasileira: a corrupção e a infidelidade partidária.

EXAME.com – Em seu livro “Religião e Política, sim. Igreja e Estado, não” (Editora Ultimato), o senhor fala sobre a política confessional e Estado confessional. Qual a diferença entre os dois termos?
Paul Freston – Por um lado, você tem uma participação política inspirada por valores religiosos e, por outro, um Estado que privilegia uma religião em detrimento de outras. São duas coisas diferentes. Você pode ter um Estado laico (que é neutro com relação a todas as confissões religiosas) e, ao mesmo tempo, ter bastante participação política por parte de pessoas inspiradas por valores religiosos.

EXAME.com – Qual o limite para a fé de uma pessoa interferir em seu papel público? 
Paul Freston - Todas as pessoas acreditam em alguma coisa. Por exemplo, teve um momento em que Fernando Henrique Cardoso era candidato a prefeito [em 1985] e as pessoas entenderam que ele era ateu. Supostamente isso prejudicou as chances dele ser eleito.

A realidade é que isso se aplica a todo mundo. Não é só porque uma pessoa é religiosa (ou não) que a fé dela irá interferir em sua ação na política. Quando o [John F.] Kennedy era candidato à presidência dos Estados Unidos, por ser católico, ele fez uma declaração na televisão declarando que não obedeceria ao clero católico. No Brasil, parece que quando alguém é evangélico ainda é necessário fazer esse tipo de declaração. Eu pergunto: por quê?
EXAME.com – Qual a resposta que o senhor faz a sua própria pergunta? 
Paul Freston - É o mesmo tipo de preconceito. Preconceito contra católico nos Estados Unidos e preconceito contra evangélico, no Brasil. É baseado na ignorância.

EXAME.com – Mas não seria uma espécie de prestação de contas? 
Paul Freston - Não vejo a comparação. A não ser que você veja evidência do tipo o candidato está recebendo muito dinheiro de uma determinada fonte religiosa.

EXAME.com – Há algum tempo, a Marina Silva (PSB) disse que o Estado é laico e não ateu. O que ela quis dizer? 
Paul Freston -  Um Estado ateu é o estado norte-coreano, a Albânia durante o tempo do comunismo ou a China na época da Revolução Cultural. [Nestes casos], o objetivo era erradicar a religião, propagar o ateísmo como a ideologia oficial do Estado.

Existem dois tipos de Estado laico. Um tipo seria a tradição francesa, que diz que o espaço público deveria ser isento de manifestações religiosas. Agora, outro é uma laicidade que diz que o Estado tem que tratar todas as confissões (religiosas ou não) de forma igual.
O Estado simplesmente adota uma posição isenta, mas deixa o espaço público aberto para todos os cidadãos que queiram participar, quer sejam religiosos ou não. Eu entendo que, pelo menos, no ideal, o Brasil é este segundo tipo.

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