ESPECIAL REFORMA PROTESTANTE - Para onde estamos caminhando? Uma reflexão sobre a Reforma Protestante

Reforma Protestante do século XVI completará, no dia 31 de outubro, 497 anos. As consequências daquele movimento desencadeado por Martinho Lutero foram muito grandes e os seus reflexos se perpetuaram na história. Entretanto, é preciso que tenhamos o cuidado e a sabedoria de avaliar periodicamente como está o nosso comprometimento com os preceitos bíblicos em relação ao mundo em que vivemos, pois a nossa fé não se baseia em questões filosóficas, mas no legado de fé e esperança deixado por pessoas comprometidas com o Cristo vivo, o Senhor da Igreja.
Lutero não tinha a pretensão de dividir a igreja, absolutamente! Porém, estava enfrentando um grave dilema que solapava a sua própria consciência: como compreender a justiça de Deus e o seu perdão ao pecador, através de obras mortas (pagamento de indulgências e cumprimento de penitências)? Poderia essa prática salvar o ser humano dos seus pecados e abrir-lhe as portas do paraíso? Ao estudar as Escrituras com profundidade, Lutero encontrou sérias divergências entre os escritos bíblicos e o que diziam os teólogos de sua época, especialmente quanto à graça, à fé e à justificação.
Nos dias de Lutero, era comum abrir-se um fórum para debater assuntos religiosos que suscitassem dúvidas. O frei agostiniano, movido pelo desejo de esclarecer e restabelecer a verdade, no dia 31/10/1517, afixou suas 95 teses contra o comércio de indulgências, na porta da Igreja de Wittemberg, com o seguinte chamado: “Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade, discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do rev. Padre Martinho Lutero, o que segue (... AS 95 TESES). Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco o poderão fazer por escrito. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.” (*).
Lamentavelmente o fortíssimo poder clerical não abriu um espaço sequer para estudar o assunto e tratou de exigir a retratação de Lutero. No dia 17 de abril de 1521, Martinho Lutero compareceu perante a Dieta de Worms, convocada pelo imperador Carlos V, e pairava no ar a notícia de que o imperador havia determinado a queima dos livros do então proclamado frade maldito. Foi nesse ambiente hostil que o frei declarou corajosamente: “E mesmo que acendessem uma fogueira que entre Wittemberg e Worms se erguesse até o céu, comparecerei em nome do Senhor e confessarei a Cristo e o deixarei reinar” (*).
Ao aproximar-se da cidade, Martinho recebeu carta do amigo Spalatino tentando convencê-lo a retornar por estar correndo risco de vida, mas ele respondeu: “Fui intimado; e, mesmo que em Worms houvesse tantos demônios quantas telhas nos telhados, nela entrarei” (*).
Diante de um parlamento composto por duques, bispos, estadistas e cerca de cinco mil espectadores, sem que lhe dessem espaço para defender as suas teses, Lutero foi obrigado a responder a apenas duas perguntas: a primeira, se ele reconhecia aquelas obras como sendo suas; e, a segunda, se estava disposto a se retratar delas. À primeira pergunta respondeu afirmativamente; à segunda, ele pediu um prazo de 24 horas para responder. Findo esse prazo, frei Martinho declarou: “A não ser que eu seja convencido mediante testemunho da Escritura Sagrada ou fundamentos e razões comprovadas, claras e evidentes – pois não creio tão só no papa, nem nos concílios, porquanto é sabido por todos que erraram muitas vezes e a si mesmos se contradisseram – e por eu estar convicto pelos versículos por mim citados e se achar presa a minha consciência pela Palavra de Deus, não posso e não quero me retratar de coisa alguma, porque não é seguro e nem aconselhável proceder contra a consciência.” (*)
Creio que a coragem de Martinho Lutero foi espelhada no exemplo de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, os três hebreus condenados pelo rei Nabucodonosor à fornalha de fogo ardente por não se curvarem diante da estátua que ele havia erigido. Naquela ocasião, a resposta daqueles hebreus foi imediata: “Se formos lançados na fornalha de fogo ardente, o nosso Deus, a quem nós servimos, pode livrar-nos dela, e ele nos livrará da tua mão, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste” (Dn 3.17-18).
Que bom que, em ocasiões oportunas, Deus interveio na história, levantando pessoas especiais para cumprir o seu propósito e proteger o seu povo de ser contaminado pela depravação moral e espiritual.
Em dois mil anos de história do cristianismo, desde o evento do Pentecostes até os nossos dias, a igreja tem sobrevivido aos percalços da sociedade. Hoje vivemos a chamada era pós-moderna e a igreja enfrenta desafios diferentes daqueles vivenciados nos tempos da Reforma. Na Idade Média, a centralização do poder nas mãos do sumo pontífice, salvaguardada por um clero altamente comprometido com valores materiais e mesquinhos, provocou um enorme abismo entre fé e obras, reduzindo a escombros a obra redentora de Cristo. O papa era detentor da “verdade absoluta”, e quem se opusesse à sua palavra era considerado herege e condenado à morte pela Santa Inquisição.
Na pós-modernidade, o que se prega é a descentralização de poder, a livre expressão em todos os níveis e a “verdade absoluta” deu lugar à “verdade relativa”. Portanto, vivemos a era do relativismo e é nesse contexto que a igreja está inserida. Como falar da “verdade absoluta” que é Cristo para uma sociedade relativista? Além disso, o mundo pós-moderno aboliu a palavra pecado do seu dicionário, substituindo-a por outras como “desejo instintivo”, “desvio de conduta” etc.
Assim caminha a humanidade, na mesma estrada percorrida por antepassados nossos dos tempos de Noé, e das cidades de Sodoma e Gomorra. Em termos científicos e tecnológicos, não houve nenhuma sociedade que se comparasse à dos nossos dias, porém, em se tratando de aspectos morais e espirituais, somos o retrato falado daquelas sociedades veterotestamentárias. Pois bem, certos comportamentos do nosso tempo, ditos como modernos, na verdade, são produtos de um caráter pervertido tal como em outras épocas. Como já me referi em outra oportunidade: “Mudaram-se os cenários e os artistas, mas o roteiro continua o mesmo”.
Concluindo, não sei se será necessário Deus enviar novos reformadores para reorganizar o seu aprisco que alguns teimam em bagunçar, confundindo as suas ovelhas, por sua própria conta e risco. Há pessoas que se julgam suficientemente capazes de interpretar a Palavra e fazem adequações que julgam necessárias aos nossos dias, alterando e adaptando textos bíblicos, sem, contudo, ter o cuidado de verificar se não estão subvertendo valores que são imutáveis.
Penso que, se as coisas continuarem caminhando no rumo em que estão, não haverá Lutero, Calvino, Zwínglio ou Knox que dê jeito. Neste caso, só me resta clamar: “Vem, Senhor Jesus!”
(*) Textos e palavras de Lutero extraídos do livro “Frei Martinho – Restaurador da Verdade Eterna” – de R. F. Hasse, 2ª edição, Casa Publicadora Concórdia, Porto Alegre, RS.
Presb. Sérgio Paulo de Oliveira Martins, membro da IPI de Utinga, Santo André, SP

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