Cristão também vota em Dilma (e no PT)

Infelizmente, em tempos de eleições, vale tudo. Golpe baixo, sujeira, mentira, difamação. Essas práticas desviam o foco dos assuntos relevantes e servem tão-somente para confundir. O objetivo é exatamente este: distorcer os dados em favor de projetos pessoais. Nos últimos dias, percebe-se reverberar a tônica de que ‘cristão autêntico não vota no PT’. Implícita nesse discurso, está a opinião de que votar no presidenciável Aécio Neves (PSDB) consiste em fazer a vontade divina. Mas a verdade não é bem essa.

E não estou aqui para defender o PT, mas sim para tentar esclarecer quais são os princípios norteadores que caracterizam o ‘autêntico cristão’, sobretudo no que concerne à sua participação política. Contudo, para isso, é necessário mostrar que existem pontos de semelhança entre o PT e o Cristianismo.

Nos últimos dias, percebe-se reverberar 
a tônica de que ‘cristão autêntico não vota no PT’. Implícita nesse discurso, 
está a opinião de que votar no presidenciável 
Aécio Neves (PSDB) consiste 
em fazer a vontade divina. 
Mas a verdade não é bem essa.

Exemplificando isso, basta citar um trecho da Carta de Princípios do Partido dos Trabalhadores, a qual foi lançada publicamente em 1º de maio de 1979 (antes mesmo do Manifesto de Fundação do Partido). No trecho, fica claro um dos cernes da agremiação política: “O PT não pretende criar um organismo político qualquer. O Partido dos Trabalhadores define-se, programaticamente, como um partido que tem como objetivo acabar com a relação de exploração do homem pelo homem”.

Ora, basta lembrar que nos tempos de Jesus a Palestina era província de Roma e por ela explorada. O poder político exercido pelos fariseus e saduceus, subservientes aos romanos, tolhia a população de direitos básicos. O cenário era de instabilidade, inclusive com grupos como os zelotes, que buscavam tomar o poder político de Roma. No entanto, Jesus foi além dessa visão. Seu discurso foi no cerne de toda exploração do homem pelo homem, de modo que discursou categórico: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. Esse mandamento de Jesus foi seguido pelas primeiras comunidades cristãs, nas quais “ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum” (Atos 4:32b). No século XIX, Marx recolocou essas ideias de Jesus em termos da ciência política, no intuito de restabelecer a dignidade do ser humano e conter a exploração, conforme está traduzido na emblemática frase: “proletários de todo o mundo, uni-vos”.

Pois bem; como um partido de esquerda, é óbvio que o PT se norteia por esses princípios. Na prática, nos últimos 12 anos nos quais a legenda está no governo, há uma série de ações tomadas com vistas a esse horizonte de construir uma sociedade mais justa. O Prouni, o Pronatec, a Política Nacional de Participação Social, o aumento do percentual do PIB na Educação, o Programa Mais Médicos, o reajuste anual do salário mínimo, o crédito facilitado, o foco no IDH e não no PIB, são algumas das medidas programáticas da legenda que servem de base para reacender a esperança de que o Brasil pode ser um país com mais justiça social. No entanto, isso não quer dizer que se deve fechar os olhos para as distorções que estão impregnadas no governo petista. Corrupção, falta de força para adotar medidas estruturais, política social primordialmente compensatória, ao invés de emancipatória, são alguns dos tópicos que merecem crítica.

Também não vou satanizar o PSDB. Fundado em 1988, basta lembrar que historicamente os tucanos se organizaram buscando pôr fim ao regime militar.
O próprio Estatuto do partido deixa claro, entre seus objetivos “a construção de uma ordem social justa e garantida pela igualdade de oportunidades” (artigo 2º, capítulo II). É pertinente rememorar que quando o Brasil esteve sob a batuta do tucano Fernando Henrique Cardoso, foi possível acabar com a hiperinflação e estabilizar a moeda (a despeito das sucessivas crises econômicas que aconteceram, como na Rússia, no México e na Ásia). Porém, foi o momento em que houve mais desemprego. De acordo com estatísticas do IBGE, cerca de 15% da população economicamente ativa estava desempregada no ano 2000 (ou seja, 11,5 milhões de trabalhadores). Em 1994, quando FHC assumiu, esse percentual era de 6,1% (4,5 milhões de trabalhadores). A privatização de estatais era uma das medidas adotadas que mais recebeu críticas e que acelerava esse processo de regressão do trabalho na era FHC.

Acredito que seja necessário apresentar esse panorama para que se compreenda que a postura do cristão autêntico nestas eleições é analisar a conjuntura e, sob a bênção de Deus, rogar sabedoria para tomar a decisão que beneficiará a maior parte da população. É imprescindível ter uma visão histórica dos fatos, observar o ponto em que estamos, onde estivemos e para onde queremos ir, enquanto país. Acredito que seja pertinente nos lembrarmos da exortação do reformador Martinho Lutero, cuja essência se aplica bem ao momento atual: “Eu te aconselho que, se desejar fazer um legado em benefício da igreja, ou queres orar e jejuar, não o faças pensando em teu próprio proveito, antes, ao contrário, faze-o desinteressadamente, para que os demais o desfrutem e se beneficiem com ele; se assim fizeres, serás um verdadeiro cristão”.

Jénerson Alves é jornalista e cristão evangélico

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