Reflexões sobre a morte




Não é de nossa cultura querer pensar sobre a morte. Ainda assim, e involuntariamente, me vi empurrado ao tema nas duas últimas semanas. Desde uma viagem ministerial à República Dominicana e depois à Venezuela, quando ouvia de longe sobre a piora de saúde de minha avó, que ao final levaria à sua partida, até voltar ao Brasil com o impacto da repentina morte de Eduardo Campos, o velho espectro do inimigo final rondou minha cabeça e coração.

Começou em Dominicana ao descobrir que dormíamos ao lado de um cemitério rural. Nossos silenciosos vizinhos nos faziam lembrar de nossa finitude. De alguma maneira enriqueciam o nosso tempo de formação para estudantes líderes dos países do Caribe (desses movimentos pertencentes à CIEE/IFES, a Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos), com o sentido de urgência na vida e na missão. O nosso tema contrastava com a realidade ao lado:“semeando vida, colhendo esperança”.

Depois veio a visita à ‘Cueva de las Maravillas’ (Caverna das Maravilhas). O que mais me impressionava ali não eram os morcegos voando sobre as nossas cabeças, mas sim as cerca de 500 pinturas em suas paredes. Rabiscadas pelos antepassados dos habitantes dessas ilhas, há milhares de anos, possivelmente retratavam algum ritual pelo qual passavam os jovens guerreiros ou caçadores de seu tempo. Só podemos conjecturar sobre o seu real significado, mas a repetição da representação do deus da morte em alguns setores da caverna me chamava a atenção. 

Ela estava ali, quando o caminho se estreitava, e antes da caverna abrir-se de modo surpreendente em um amplo e magnífico salão. Seria possível que retratassem a paz e o desfrute que experimentam aqueles que se libertam do temor à morte? Para que assim pudessem enfrentar bem, sem medo, os desafios da vida? No final da caverna, quando acabava a sequência das pinturas, outra vez aparecia ali o tal deus da morte. De novo conjecturava se o dito cujo aparecia ali para deixar claro que esse seria o último inimigo por enfrentar. Eu quase podia ouvir a voz das pinturas que me arguia: “O que vencerá a morte?”.

Poucos dias depois já estava na Venezuela, para o acampamento nacional do movimento estudantil cristão (MUEVE). Dessa vez me cabia dar estudos sobre o tema da “integridade: expressão radical do cristão”. O assunto nos levava a discussões nem sempre fáceis sobre as esperanças e as desilusões na história recente, em meio a opiniões bem polarizadas entre os que apoiam e os que execram os governantes do momento. Passeando pelo Novo Testamento (Paulo e Tiago) e pelo livro de Salmos (37 e 82), vimos que os governantes, seja à direita ou à esquerda, vem e vão (a morte é a única certeza para eles), mas o Reino de justiça para o necessitado e o aflito é essa esperança que segue avançando na agenda de Deus e do seu povo.

Enquanto isso também avançava, para pior, o estado de saúde de minha avó. Seu nome (Divina) me ajudava de alguma maneira curiosa a continuar confiando em Deus e em seus propósitos. A notícia de sua partida chegou justo após minha exposição sobre a necessidade de que não andemos sozinhos na vida e no ministério. Claro, para mim ficava a dor de que Dona Divina não mais andaria conosco por aqui. Para todos nós também ressoava a mensagem de que o caminho da integridade requer um contexto de comunidade, de equipe, de pessoas referentes em nossa caminhada, que sempre nos ajudam com as perguntas mais difíceis. Precisamos desesperadamente desse tipo de amigos no caminho que nos confrontam e nos questionam. Bajuladores são supérfluos (até mesmo perigosos), já os amigos honestos são um tesouro necessário.

Cheguei ao Brasil tarde para o enterro da vó, e cedo para o choque da partida súbita de Eduardo Campos. Outra vez a morte. Para mim, mas especialmente para a sua família, outra vez aquele inimigo que dessa vez parecia haver chegado antes da hora. Depois, também me atordoava ler reações e discussões vindas de alguns grupos que pareciam pensar mais em seus próprios interesses do que no bem do país, mais sobre de que maneira poderiam ter algum benefício particular (ou partidário) do que no interesse público de todos e em especial dos mais afligidos entre nós. 

Antes da morte, essa que um dia todos iremos enfrentar e para a qual os animo que a encontrem na perspectiva da paz e da esperança no Senhor da história, temos outros inimigos por enfrentar. No que concerne à vida pública e política desse país, espero que aprendamos que vale mais a agenda de justiça que está no coração de Deus do que nossos próprios interesses mesquinhos. Que aprendamos a não caminhar sozinhos, a ser mais maduros nos diálogos, nas divergências, e que busquemos o melhor em especial para quem mais necessita, mesmo que isso signifique que não priorizaremos as agendas de nossos próprios interesses, aquelas do “para mim primeiro”.

Quanto à ela, a morte, não sei quando essa me encontrará, e em verdade não me importo porque não a temo. Mas antes que ela chegue anelo ver um país melhor, com mais sinais evidentes do Reino em nosso meio. E você? De minha parte espero que a perspectiva de nossa finitude na terra seja capaz de nos ensinar algo, ou ao menos de catalisar a aprendizagem e a humildade que tanto necessitamos.



É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Serve na equipe regional para a América Latina da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE-IFES).

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