Planeta dos Macacos: o confronto


“Planeta dos Macacos” é uma das franquias de grande sucesso da ficção científica e da cultura pop do fim do século passado e início do presente. Tudo começou em 1963 com a publicação do livro “Le Plànet des Singes” (O planeta dos símios) pelo romancista francês Pierre Boulle. Em 1968 o livro foi adaptado para o cinema com sucesso estrondoso: “Planet of the Apes” – “Planeta dos Macacos” no Brasil - tendo Charlton Heston como o Capitão Taylor, o astronauta que chega a um planeta em tudo parecido com o nosso, com uma diferença: grandes símios – chipanzés, orangotangos e gorilas – dominam os humanos, tecnologicamente primitivos. A cena final, quando o atônito Taylor descobre que aquele planeta é a nossa Terra, é simplesmente antológica. 

Houve quatro sequências no início dos anos de 1970, mas nenhuma delas com a mesma qualidade do original. Depois houve uma série televisiva e uma série animada, explorando a mesma ideia. Em 2001 Tim Burton fez um remake da história, mas não foi feliz. Seu enredo é confuso e atrapalhado. A única coisa que se salva no remake de Burton é a interpretação de Tim Roth, que dá vida ao perverso gorila General Thade. O Thade de Burton é ainda mais cruel e malvado que o gorila General Urko da série televisiva da década de 70. Em 2011 o diretor Rupert Wyatt resolve recriar a série com “Planeta dos Macacos: A Origem”, incomparavelmente melhor que o remake de Tim Burton. E agora em 2014 é lançado “Planeta dos Macacos: O Confronto”, sobre o qual desejo comentar brevemente.

Como o próprio título no Brasil antecipa, o filme vai falar de um embate entre humanos e os grandes antropoides falantes e inteligentes (o título original é “Dawn of the Planet of the Apes”, literalmente, “A aurora do Planeta dos Macacos”, um título que não antecipa nada). E em sua narrativa do confronto entre humanos e macacos o diretor Matt Reeves desconstrói a tão comum ideia de “nós contra eles” – nós somos bonzinhos, bonitos, inteligentes, justos e corretos e eles são maus, feios, burros, injustos e corruptos. O famoso mito do “bom selvagem” de Jean Jacques Rousseau, resultado da antropologia otimista do Iluminismo do século XVIII cai por terra na narrativa de Reeves. 

O problema é que é muito difícil não pensar em termos de “nós contra eles”. Eleitores do PSDB contra a turma do PT, palmeirenses contra corintianos, calvinistas contra arminianos são apenas três exemplos do Brasil contemporâneo (cada leitor ou leitora se enquadre e enquadre “os outros” no grupo que quiser). “Nós” estamos sempre certos, e “eles” estão sempre errados. Talvez o exemplo mais eloquente em escala mundial atualmente seja o do conflito entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza: israelenses sádicos contra palestinos indefesos (a cultura do politicamente correto faz com que seja elegante defender o Hamas). Só que a vida não é tão simples assim. A realidade é muito mais complexa. Há erros e acertos em todos os lados. Este é o grande mérito do filme de Reeves: o confronto não é entre humanos maus e macacos bons. Quem semeia o confronto, a cizânia, a traição e a mentira é um macaco. Mas há também humanos maus. E macacos e humanos que fazem tudo para evitar o confronto. Sem sucesso. Mas tentam, porque sabem que a guerra não é a solução.

Deste modo “Planeta dos Macacos: O Confronto” não é apologia de uma teoria da evolução às avessas, como alguns desavisados poderiam pensar, mas um libelo contra a ingenuidade de análises apressadas e superficiais das relações entre os grupos humanos e um apelo à convivência harmônica entre diferentes.

• Carlos Caldas é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e pesquisa as relações entre teologia e as artes.

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