Apelo ao judaísmo pela paz

Antes do debate geopolítico, antes de tomar partido sobre a política opressiva do Estado de Israel em Gaza, sugiro que se conheçam alguns teóricos do judaísmo. Harold Kushner, rabino Laureado do Templo Israel em Natick, Massachusetts, Estados Unidos, escreveu sobre perdão e reconciliação. Suas palavras ecoam como resgate de uma tradição pacifista na espiritualidade judaica. Parafraseio Kushner. Acrescento alguns adendos meus. Espero contribuir com a consciência de que o massacre de palestinos na Faixa de Gaza é uma política de estado e nada tem a ver com a bela história do judaísmo.
Enfrentamos um dilema quando alguém nos magoa. Parte da gente quer acertar as contas, pagar na mesma moeda, dar o troco. A outra parte se sente mal com a sanha de ir à forra. Encontramos justificativa: olho por olho, dente por dente. Procuramos até achar argumentos que nos deem razão para revidar.
Defino vingança como punição em nome da justiça. Revide nasce do prazer de ver a pessoa que nos feriu ser castigada. Nesse ponto reside o problema. Ansiamos punir nossos inimigos porque desejamos viver num mundo seguro e justo. Sonhamos com um mundo no qual as pessoas são protegidas de criminosos. Queremos que os malfeitores sofram as devidas consequências de seu mau comportamento.
Quando existe um conflito entre o impulso e a consciência, sabemos que a resposta certa é seguir a consciência. Por não sermos suficientemente fortes para resistir o impulso, a sabedoria popular recomenda contar até dez. Como agir quando a vingança pede ações em nome da justiça?
Algumas vozes, em nome da religião, insistiram para que perdoássemos. Líderes espirituais de diferentes tradições viram no perdão a única força para romper o ciclo de ódio e violência. No caso dos cristãos, o apelo foi incluído na oração do Pai-Nosso: Perdoa as nossas ofensas assim como perdoamos os que nos têm ofendido. Faz parte também da nobre admoestação de Jesus para que se ofereça a outra face. A Torá hebraica recomenda: Não odiarás teu irmão no teu coração.  O grande mandamento de Levítico 19.18, Amarás teu semelhante como a ti mesmo, é precedido pelas palavras: Não te vingarás nem guardarás rancor.
Depois da Segunda Guerra Mundial, várias histórias de sobreviventes do Holocausto se popularizaram pela Europa. Judeus passaram anos sonhando com vingança. Muitos, ao verem seus torturadores destituídas do poder, desistiram da retaliação. Aprendi uma grande verdade com eles. Quando temos sede de vingança, não estamos de fato atrás de vingança. Simplesmente desejamos recuperar o senso de poder e dignidade que nos foi roubado. Se houvesse uma maneira moralmente menos degradante de nos sentirmos investidos de poder quando nos vemos diante do adversário, se pudéssemos reivindicar o poder sobre ele sem precisarmos feri-lo, a maioria de nós ficaria satisfeita com isso.
Tudo isso nos ajuda a entender que não precisamos prejudicar outra pessoa a fim de reivindicar a satisfação que achamos que a vingança nos proporcionará. Se nosso anseio realmente for recuperar a sensação de que temos poder pessoal, de que fomos restaurados, existem outras maneiras de obter isso que nos farão sentir melhor com relação ao tipo de pessoa que somos.
A Bíblia, ao descrever uma série de eventos que ocorrem no final da vida de Jacó, nos oferece uma das maiores histórias de vingança e do poder redentor de renunciar a ela. Os filhos de Jacó estão com ciúmes terríveis do irmão mais novo, José, porque ele é o favorito do pai. José alimentou o ciúme deles contando-lhes um sonho que tivera no qual todos, um dia, se curvariam diante dele.
Por causa disso, os irmãos vendem-no como escravo para uma caravana que passa a caminho do Egito. Pela graça de Deus e em conseqüência de uma série de acasos, José torna-se vice-regente do Egito e é encarregado da distribuição de alimentos durante um longo período de escassez. A falta de alimentos faz os irmãos de José irem ao Egito implorar ao vice-regente que lhes venda sementes de cereais. José os reconhece, embora eles não o reconheçam, e ele percebe que esta é sua oportunidade de ir à forra pelo que lhe haviam feito – um sonho que vinha nutrindo há vinte anos. (José dera ao seu primogênito o nome Manassés, que significa “esquecer”, porque Deus o havia ajudado a esquecer a desgraça que o conduzira ao Egito. O nome, porém, é uma confiança de que na verdade, ele não havia esquecido.)
Contudo, quando José vê os irmãos atormentados e humildes, ele não consegue levar o plano adiante. Compreende que não deseja a vingança, mas a família; passa a entender que, se punir cada pessoa que lhe fizer mal, ele obterá satisfação – e até poderá fazer justiça -, porém não terá amigos nem família… Como Hamlet, terá destruído a si mesmo no processo de ir à forra. Desse modo, José deixa cair o disfarce, desfaz-se em lágrimas e revela sua identidade aos irmãos dizendo: “Eu sou José. Nosso pai ainda vive?”.
Alguns de nós seremos vítimas de crimes graves e podemos esperar que a sociedade aplique uma justiça rápida e apropriada. Todos seremos vítimas de crueldade, de desconsideração e de aborrecimentos… Nesses momentos, teremos que escolher entre a sedução de ir à forra, uma atitude atraente, porém nociva para nossa alma, e a força purificadora da integridade, que nos faz recuperar o poder sobre a vida precisamente por não cedermos à tentação de nos vingarmos. Então saberemos de que lado está o anjo.
Não sou judeu, mas tomo as palavras do rabino Kushner como minhas. Não posso concordar que Israel continue o cerco sobre Gaza e não há como acreditar que vingança coletiva seja suficiente para trazer paz à Palestina. Acrescento: Não vale a pena colocar a mão no braseiro esperando a oportunidade de jogar um tição no inimigo. Quando chegar a hora do revide, a mão pode estar destruída.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim

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