Desertos, camelos e divorciados

Desertos, camelos e divorciados
Todo viajante que se preza, faz previamente um roteiro, uma lista do que vai levar e um planejamento para os dias em que estará fora. Imprevistos até acontecem, mas quem viaja tem sua programação financeira, material, turística minimamente agendada. O que não acontece quando você cai no meio do deserto sem suprimentos, sem bússola, sem previsão de nada. O inesperado torna-se duramente real.
Porque nunca se sabe quando o tempo vai virar, quando iremos "cair de paraqueda", quando o vento vai soprar forte interminavelmente. Bom seria se soubéssemos que depois da curva haveria uma imensidão de terra inóspita. Poderíamos nos preparar para os anos de vacas magras, assim como previu José.
Divorciados são sobreviventes sobre areias escaldantes, não importa o tempo em que estiverem nelas. Mas enquanto fases turbulentas não passam, aprendem a se transformar em camelos. É isso mesmo: camelos! São estes animais que possuem incrível resistência em longas travessias por desertos. Disso você já sabe. Mas concentre-se na possibilidade de estar no lugar de um camelo em pleno Saara.
Vai surpreender-se. O bicho tem equipamentos de sobrevivência invejáveis na hora do aperto. Viajando em uma temperatura de até 49 graus, um camelo é capaz de suportar oito dias sem beber água, enquanto um ser humano aguenta apenas 36 horas. Ele pode perder 25% de peso do corpo sem morrer, sua córcova é feita de gordura, que pode ser usada como energia em caso de emergência.
Um camelo tem uma segunda pálpebra, que se fecha frente aos fortes ventos arenosos. Assim como suas narinas são pequenas e possuem músculos que também se fecham para que não se entupa de areia. Pode beber 70 litros de água por minuto. Ou seja, pode garantir sua vida na mais turbulenta e demorada jornada. Sem saber por quanto tempo estará com os pés no deserto, resiste.
Por isso é tão significativo aprender a ser camelo. Não tenha medo de se tornar um. Criar novos músculos, uma pálpebra a mais, armazenar água e energia pode ser a única maneira de continuar avançando e... vencer.
É verdade que em muitos momentos acionamos o "piloto automático" para que uma espécie de anestésico seja aplicado e a travessia se torne quase imperceptível. É claro que ninguém quer divorciar-se, não deseja tornar-se maratonista de deserto nem fazer disso um esporte. Só que quando ligado continuamente, este sistema de amortecimento pode gerar um desperdício, seja de tempo, de energia, de resultados. Surge uma grande probabilidade de apatia e passividade exageradas. Elas são permissíveis, legítimas, só não podem ser preponderantes. Se forem, causam delírios. E delirar no deserto provoca perda de lucidez sobre o destino desejado. O perigo é começar a ver miragens demais...
Ao manter-se "desligado", você pode acabar chegando ao fim do deserto da mesma forma como entrou. Corre o risco de tornar-se, sem perceber, um portador de memória de curto prazo porque acaba esquecendo do valor de cada dia sacrificadamente passado em tempos e terras áridas. E sem memória, não conseguimos aplicar o que aprendemos. Se não aprendemos, não obtemos conhecimento. Sem conhecimento, não experimentamos sensações. Sem sensações, não há vida.
Sendo assim, custe o que custar, mantenha-se inteiramente vivo em sua fase de reconstrução e alcance a vitória com o dobro do que tinha antes , assim como aconteceu com Jó. Boa travessia!
cristianismohoje

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