ESPECIAL ELEIÇÕES 2012 - Os evangélicos e a participação política (1)
QUASE SEMPRE A imprensa e alguns políticos criticam a
campanha de candidatos ou políticos evangélicos porque estes estariam
“misturando religião e política” e ameaçando a separação entre Igreja e Estado.
É verdade que as explicações dos candidatos nem sempre ajudam a esclarecer. Mas
não devemos acompanhar a música do laicismo militante que deseja excluir Deus e
a religião da praça pública.
Podemos não concordar com as políticas deste ou daquele candidato
e até achar que sua conversão foi oportunista, mas não devemos combatê-lo de
tal forma a deslegitimar a razão da nossa própria participação política. A
política não deve ser meio de fortalecer uma religião em detrimento de outras,
mas dizer que a religião em si nada tem a ver com a conduta da política é lógica
e historicamente falso. Falar em “abuso” da religião é seguir
uma linha errada. A diferença entre “uso” e “abuso” é muito subjetiva. Um dia,
o feitiço pode se virar contra o feiticeiro. Devemos, sim, protestar quando se
diz que todos os evangélicos estão com tal candidato, mas não devemos atacar os
outros por “abusar” da religião na política. Deixemos que cada um se utilize da
religião como quiser — é melhor do que criar um ambiente em que ninguém pode
falar sobre religião em praça pública.
O Ocidente aprendeu a duras penas, a custo de
muito sangue, que religião e política têm de estar separadas, dizem os
críticos, e certos candidatos estariam voltando a misturá-las.
Em 2002, em resposta à imprensa, o ex-governador
Anthony Garotinho declarou que era a favor do Estado secular, e, ao mesmo
tempo, disse que não mistura religião com política.
Essas duas afirmações não são equivalentes e
retratam uma certa confusão. O Estado deve ser não-confessional. Foi justamente
essa percepção por parte de alguns dos primeiros protestantes nos séculos 16 e
17 que deu início à separação entre Igreja e Estado. Com bases teológicas, eles
perceberam que a visão cristã do Estado é
que o Estado não deve ser “cristão”, no sentido de defender e promover uma determinada igreja ou religião.
Este não é o papel de Estado nenhum na dispensação da graça. Entretanto,
religião e política podem, sim, ser misturadas.
Uma pessoa pode ser inspirada por sua fé
religiosa a ingressar na política e defender certas propostas. Política confessional,
sim; Estado confessional, não.
Isso implica reconhecer, entre outras coisas,
que há diferença entre ser um legislador evangélico e ser um governante
evangélico.
Em torno dos candidatos e políticos evangélicos
há líderes e membros de igrejas com uma expectativa “messiânica” de que aquele
candidato evangélico canalizará automaticamente as bênçãos de Deus sobre o
Brasil, resolvendo todos os problemas que nos afligem. Esse messianismo é muito
perigoso, para o país e para a Igreja. Ao contrário do que muitas vezes se
afirma, a última parte do homem a se converter não é o bolso, é o fascínio pelo poder.
É verdade que houve um avanço inegável no meio
evangélico em relação ao envolvimento e à prática política. Ainda assim, nem
sempre é possível recomendar os modelos de atuação política mais visíveis.
A atuação da Igreja Universal exemplifica um
modelo possível de atuação política evangélica: o modelo institucional.
A Igreja, como instituição, entra na política
defendendo as suas propostas, as quais podem ser boas ou não. Muitas vezes,
tratase de mera defesa de seus interesses institucionais. Esse modelo apresenta
graves problemas. A Igreja, como instituição, não deve se envolver na política dessa forma, pois,
quando o faz, ela e os seus líderes se tornam vulneráveis a todas as
contingências do mundo político. Assim, sua fala sobre a Bíblia, a fé e a salvação
se contagia dessa mesma contingência. Se eu não posso acreditar naquilo que
determinado pastor ou determinada igreja falam quando se trata de política, por
que vou acreditar quando falam de outros assuntos? Logo, quem sai perdendo com
esse modelo é a própria Igreja.
Outro modelo de atuação evangélica na política é
o que podemos chamar de modelo
autogerado ou auto-impulsionado.
Um indivíduo evangélico que constrói uma
projeção política, ou que já a possuía antes de se tornar evangélico, atua de maneira
autônoma e faz um apelo aos evangélicos para que votem nele. Há muitos
deputados estaduais e federais evangélicos que se enquadram nesse modelo. O
problema é que muitas vezes o candidato se apresenta como evangélico para fins
de obter votos, mas depois de eleito não vê nenhuma necessidade de responder
aos evangélicos que o elegeram. E nós ficamos a coçar a cabeça, nos
perguntando: “Como é possível um evangélico que parecia tão bom acabar tão
mal?”
O modelo autogerado também tem graves
limitações.
Contra os dois modelos mencionados, a solução é
justamente o modelo comunitário. Não é um modelo institucional, corporativo,
mas também não é um modelo individual, solto.
O modelo comunitário acredita que os evangélicos
devem se envolver politicamente não em nome de suas igrejas ou instituições, mas
em grupos de pessoas que pensam politicamente de uma mesma forma, inspiradas
pela sua compreensão da fé cristã. Trata-se de um projeto que inclui a abertura
para o diálogo e para censuras proféticas. Assim, os que exercem mandatos políticos
não ficam soltos, mas interagem e respondem a outras pessoas que podem, se
necessário, até mesmo repreendêlos e aconselhar sua saída da política. Embora
nenhum modelo ofereça garantias totais, o modelo comunitário de atuação política
é o menos arriscado.
A fé cristã é, ao mesmo tempo, utópica e
bastante realista.
A solução para os problemas políticos é sempre
política. A solução para a má política é a boa política, e para a má espiritualidade
é a boa espiritualidade. Não precisamos fugir para outro campo, porque o Deus bíblico está em
todas as áreas da vida humana.
Paul Freston
Livro Os evangélicos e a participação política
Livro Os evangélicos e a participação política
Comentários
Postar um comentário