A NOVA CARA DA FAMÍLIA BRASILEIRA

Há tempos elas deixaram o avental para trás e saíram de casa em busca do desenvolvimento profissional. Todos sabem que as mulheres chegaram com tudo no mercado de trabalho. O que os mais desavisados podem ainda não ter se dado conta é que agora muitos lares são comandados por elas, seja contribuindo com a maior parte da renda familiar, seja decidindo como será usado o orçamento da família. Hoje 35% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. Mas elas ainda não podem comemorar completamente o Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 8 deste mês, pois ainda enfrentam algumas contradições: essas matriarcas, com ou sem maridos, encaram mais anos de estudo, se dividem entre o trabalho e os cuidados com a casa, trabalham mais horas que os homens, mas ainda ganham menos.

    O reconhecimento como chefe da família é dado a quem assume a responsabilidade com os cuidados do lar ou a quem responde mais fortemente pela manutenção econômica da casa.

    De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existem quase 22 milhões de famílias que têm como a principal figura responsável pela casa uma mulher. Entre 2001 e 2009, a proporção de casas chefiadas por elas no País saltou de 27% para 35%.

    Destas famílias, 26% são chefiadas por mulheres com marido ou companheiro. Segundo Sabrina Fávaro, integrante do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (SP), essa taxa ainda é considerada pequena, apesar do crescimento expressivo dos últimos anos. “Isso se deve principalmente ao fortalecimento da entrada delas no mercado de trabalho”, aponta.

    A secretária Marta Alves de Oliveira, de 41 anos, é um ótimo exemplo desse perfil. É ela quem decide tudo em casa, define todas as aquisições da família e programa as datas de pagamento das contas. “Me considero uma legítima chefe de família, já que administro tudo da casa. Inclusive lembro meu marido das contas dele”, diz. Ela faz parte da parcela de mulheres que ganham mais que seus cônjuges. “Antes de casar já havíamos conversado sobre essa
questão, pois desde sempre ganhei mais que ele. Isso nunca foi um problema. O importante é que o casal se entenda”, afirma.

    O fenômeno da chefia familiar feminina é observado de norte a sul do Brasil e em todas as classes sociais, apesar de estar mais presente entre as classes C, D e E. “Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, mais qualificada e ganhando menos, aumentou o desemprego entre os homens, e isso influenciou para que muitas se tornassem responsáveis pelas famílias, principalmente nas classes mais baixas”, confirma Claudia. De acordo com levantamento do instituto Data Popular, 25% do total da renda da classe A vem da mulher, enquanto na classe C esse índice chega a 41%.

    Estar no comando da família, no entanto, não significa necessariamente que ela ganhe mais do que o marido. Pode ser ela quem decide e analisa como gastar o dinheiro da família sem nem ao menos trabalhar fora. É o caso da dona de casa curitibana Gilda Aparecida Stinghen, de 53 anos. Casada há 3 décadas, ela administra as contas e os cartões e dá a última palavra na maioria das decisões de consumo da família. “Sou eu quem lembra das datas de vencimento. Além disso, é raro ele perceber que uma conta veio mais alta do que o normal ou que estamos pagando um plano que não precisamos. O controle do dia a dia da casa é todo meu”, diz.

    Gilda decide quais planos de tevê a cabo, de telefone fixo e de celular a família vai utilizar. Além disso, é responsável pelo controle dos dois cartões de crédito do casal. “Sei quando é o melhor dia de usar um ou em qual podemos parcelar compras maiores”, conta. Ela se considera mais econômica que o marido e por isso assumiu a função de “contadora”.

    Claudia Nogueira, professora do departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que, apesar dos avanços, o valor da força de trabalho feminina ainda é 30% menor do que a masculina. “Isso se deve porque historicamente a mulher sempre foi responsável pelo trabalho doméstico, que nunca foi remunerado, e também ao pensamento que o salário feminino serve apenas como complementação da renda familiar. Não se leva em consideração que ela pode ser a chefe da família”, afirma Claudia, que também é autora de dois livros sobre o assunto.

    Segundo o estudo do Ipea, nos casais sem filhos, as mulherer recebem, em média, 80% dos ordenados dos maridos. Entre os casais com filhos, a renda delas chega a 73% do salário médio dos companheiros. “Elas ainda são maioria em empregos precarizados (sem carteira assinada ou por conta própria). Muitas trabalham na informalidade e mesmo assim são chefes de família. Isso é muito ruim”, aponta Leila Rebouças, assistente técnica do Centro Feminista de Estudos. Isso sem falar que são mais escolarizadas que eles. Segundo a pesquisa do Ipea, a média de anos de estudo das mulheres chefes de família é de 8,3 anos, enquanto seus companheiros alcançam 7,5 anos. Os homens chefes de família tem 7 anos de escolaridade, enquanto que as mulheres cônjuges apresentam a média de 7,6 anos. “Além de serem mais qualificadas e trabalharem fora, elas ainda são as principais responsáveis pelos afazeres domésticos. Muitas vivem com jornadas duplas e até triplas”, destaca Sabrina.

    A professora Márcia Torres, de 32 anos, sabe bem o que é administrar  múltiplas  tarefas. Além de cuidar da casa, ela encontra tempo para dar aula, cuidar do filho e do marido e dar assistência ao pai, que tem Alzheimer. E ainda organiza o orçamento da família. “Anoto as entradas e saídas numa planilha semanal”, conta.

    Os homens, porém, continuam contribuindo pouco com as tarefas domésticas (veja tabela abaixo). “É difícil homem que realmente divide o trabalho em casa. Mas elas também precisam aprender a deixar os companheiros participarem dos afazeres. De nada adianta ela terem conquistado espaço no mercado produtivo se o trabalho doméstico não for dividido”, diz Claudia Nogueira.

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