ARTIGO: O cantor, o coletivo e o banquinho

Hoje é sábado (29-1). Acabo de assistir ao quadro do banquinho do Programa Raul Gil (SBT), que foi apenas com artistas gospel. Mara Maravilha, Eyshila, André Valadão, Chris Durán e Gabriela Rocha foram os cantores que participaram da sequência.
Eu achei que a oportunidade foi muito boa para mostrar a Palavra de Deus em rede nacional, principalmente por se tratar de um fim-de-semana, período no qual, normalmente, as emissoras de TV apresentam um monte de bobagens. Quero parabenizar o Programa Raul Gil, que tem aberto espaço para a propagação dos valores do Reino através de artistas evangélicos que se apresentam naquele espaço.
Entretanto, um acontecimento me chamou a atenção, durante o jogo de adivinhação de palavras. Quando foi feita a pergunta "O que tem no transporte coletivo com a letra C", o cantor que estava na vez de responder, simplesmente, não soube citar sequer um item. Ora, o intérprete, pelo jeito, nunca andou no meio de transporte mais utilizado pelos trabalhadores brasileiros. Ele nunca deve ter passado horas esperando ônibus, que são apertados como latas de sardinha, enquanto os donos das empresas lucram através da forma desumana que os usuários dos coletivos são tratados.
Certamente, ele é uma representação clara da Teologia da Prosperidade, movimento religioso que afirma que os servos de Deus gozam de extremos benefícios na face da terra. Entretanto, tal movimento não funciona para os milhões de evangélicos que pegam ônibus lotados, enfrentam filas nos hospitais públicos, são humilhados para conseguir matrículas nas escolas públicas e são totalmente órfãos de um Estado perverso e corrupto. Enquanto o cantor não conseguia, sequer com a imaginação, descrever um único elemento que faz parte do sofrido cotidiano do povo, há inúmeros cristãos que padecem o drama da desigualdade social.
Todavia, os evangélicos vivem pregando tantas “bênçãos”, e entoando canções que massageiam o próprio ego, com profecias que “prosperarei” e “transbordarei”, enquanto muitos estão vazios – na alma, no ‘bucho’, no bolso e nos sonhos...
Não quero uma fé que se coloca ao lado de uma elite injusta e opressora. Rejeito uma teologia que apregoa a ‘felicidade financeira’ como “vida abundante” (zoé). Enojo-me com uma espiritualidade que joga nas costas do fiel a necessidade de uma plenitude como reflexo de uma fé inabalável. Repudio a crença de que Deus provoca milagres “para mostrar que Ele é grande”, em um mundo no qual milhões morrem de fome e outros tantos vivem jogados em putrefatas sarjetas, como vermes que se arrastam pelos esgotos da ‘vida’.
É necessário produzirmos uma fé que apresenta respostas à realidade, e não seja uma mera reprodução do cotidiano de faz-de-conta de uma elite que a apregoa em TVs, rádios e jornais. É preciso lembrar que Jesus esteve sempre ao lado dos mais humildes, libertando-os da opressão (satânica e humana). É hora de enxergamos aqueles que andam de ônibus (bem como os que tropeçam, caem e dormitam pelas calçadas das avenidas). Caso contrário, devemos pegar nosso “banquinho” e sairmos “de mansinho” do cenário social.
 
Jénerson Alves é escritor, cordelista, jornalista
membro da Igreja Batista no Rendeiras - caruaru.

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