Após renúncia de Mubarak, multidão grita: 'Egito está livre'

Na praça Tahrir, anúncio feito durante as preces contagiou manifestantes, que explodiram em euforia
O anúncio de renúncia do presidente egípcio, Hosni Mubarak, nesta sexta-feira, levou multidões à euforia na capital Cairo e em outras cidades do Egito. O líder de 82 anos estava no poder desde 1981 e enfrentrava protestos diários por sua renúncia desde o dia 25 de janeiro.
Reunidos na Praça Tahrir, que virou símbolo dos protestos de 18 dias pela renúncia do líder egípcio, centenas de milhares de manifestantes explodiram em gritos de emoção com a notícia. O anúncio, feito durante as preces no Cairo, contagiou os manifestantes, que gritaram "O Egito está livre!".
O oposicionista Mohamed El Baradei, Prêmio Nobel da Paz de 2005 e ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, reagiu à informação dizendo: "Este é o melhor dia da minha vida. O país foi libertado."
Manifestações de alegria, cânticos e o agitar de bandeiras são as notas predominantes na Tahrir. Em toda a capital egípcia era possível ouvir carros buzinando em celebração após a renúncia.
O anúncio da renúncia foi feito pelo vice-presidente egípcio, Omar Suleiman, horas depois de ser divulgada a notícia de que Mubarak e sua família tinham deixado a capital do país, Cairo, em direção à cidade egípcia de Sharm el-Sheik. "Nessas circunstâncias difíceis pelas quais o país está passando, o presidente Hosni Mubarak decidiu deixar a posição da presidência", disse Suleiman. "Ele encarregou o Conselho das Forças Armadas a dirigir as questões de Estado."
O movimento Irmandade Muçulmana egípcio disse que a renúncia é "o triunfo pacífico do povo", assegurando que a medida é o começo de "uma nova etapa" na história do Egito. "A queda do injusto regime de Mubarak representa a passagem principal e o começo de um longo caminho", disse o porta-voz da organização islâmica, Mohammed Mursi, pedindo às Forças Armadas que cumpram "com as legítimas aspirações do povo".
"Hoje começa uma nova República. Sou feliz", disse na praça Tahrir o jovem Mustafa Aid, que comemorava juntamente com dezenas de milhares de seus compatriotas a queda de Mubarak. Apesar da conquista, Aid afirmou que "o povo ficará na praça pelo menos hoje e amanhã para celebrar e para garantir que o Exército vai começar uma transição democrática".
A concentração em Tahrir deixou a praça abarrotada, com milhares as pessoas correndo ou em carro, sem deixar de gritar e de tocar as buzinas dos veículos. "O povo fez cair o regime", "O povo e o Exército são um", eram alguns dos lemas mais gritados pela multidão que tentava ter acesso à praça.

A decisão foi uma reviravolta crucial em uma revolta de quase três semanas que estremeceu uma das ditaduras mais duradouras do mundo árabe. Os protestos populares - pacíficos e resistentes apesar dos numerosos esforços do aparato de segurança de Mubarak de suprimi-los - no fim depuseram um aliado dos EUA que vinha sendo essencial para implementar a política americana na região por décadas.
Em pronunciamento sobre a renúncia de Mubarak, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou nesta sexta-feira que o Exército do Egito terá de liderar uma transição para a democracia que seja considerada "genuína" pela população do país. Ao comentar a crise egípcia, Obama fez referência às outras mobilizações populares que vêm ocorrendo no mundo árabe para reivindicar mais liberdade e melhores condições de vida. "Não podemos deixar de ouvir os ecos da história", afirmou.
A saída de Mubarak ocorreu depois de um período de 24 horas que misturou celebração e raiva, enquanto o Egito e o mundo em um primeiro momento esperaram sua renúncia iminente e depois se enfureceram quando Mubarak anunciou que delegaria mais poderes a Suleiman, sem renunciar ao cargo de presidente.

Na manhã desta sexta-feira, porém, o Exército divulgou um comunicado prometendo implementar uma variedade de reformas constitucionais em uma declaração em que o tom de comando era claro. O comunicado foi divulgado após uma reunião do Conselho Superior das Forças Armadas do Egito, presidida pelo ministro da Defesa, Mohamed Hussein Tantaui.

No texto, os militares prometeram suspender o estado de emergência que vigora no país há 30 anos "assim que a crise acabar" e garantir uma eleição presidencial "livre e justa" em setembro. As Forças Armadas também fizeram um apelo para que os manifestantes "voltem ao trabalho e à vida normal".

Após a renúncia de Mubarak, o Exército divulgou um novo comunicado em que afirmou: "Sabemos a extensão da gravidade e a seriedade dessas questões e das demandas da população para iniciar mudanças radicais. O Conselho das Forças Armadas está estudando esse cenário para alcançar as esperanças de nossa grande população."

Segundo o jornal Guardian, o Exército estuda demitir o gabinete e suspender as duas Casas do Parlamento. De acordo com a rede de TV Al-Arabyia, o Conselho Militar vai administrar o país com o chefe da Suprema Corte Constitucional.

Os acontecimentos desta sexta-feira deixam o Exército no comando de uma nação de 80 milhões, enfrentando reivindicações insistentes de mudanças democráticas fundamentais e eleições abertas. Os militares repetidamente prometeram responder às demandas dos manifestantes. Mas tem pouca experiência recente em governar diretamente o país, e terá de neutralizar manifestações e greves laborais que paralisaram a economia e deixaram muitas das instituições do país, incluindo a mídia estatal e as forças de segurança, em situação difícil.

18 dias de crise

No dia 1º de fevereiro, quando a onda de protestos completou uma semana, Mubarak anunciou que não concorreria à reeleição nas eleições presidenciais marcadas para setembro. O anúncio não foi suficiente para encerrar os protestos e milhares de manifestantes continuaram lotando a praça Tahrir, no centro do Cairo, exigindo a renúncia imediata do líder.

Nos 18 dias de crise, Mubarak anunciou outras medidas: nomeou um vice-presidente pela primeira vez desde que chegou ao poder; pediu que seu gabinete renunciasse e nomeou novos ministros; criou comissões para propor reformas constitucionais, garantir sua implementação e investigar as mortes nos protestos; e definiu um aumento de 15% nos salários dos servidores públicos.

Nenhuma delas foi considerada suficiente pelos manifestantes. Na terça-feira, os protestos ganharam novo ânimo com um discurso do chefe de mercado do Google para Oriente Médio e África, Wael Ghoneim, um dos líderes do movimento. Nesta sexta-feira, os manifestantes convocaram uma mobilização em massa para em pelo menos seis locais do Cairo. Milhares também participam de marchas em cidades como Alexandria e Suez.

Trajetória
Hosni Mubarak assumiu a presidência do país após a morte do presidente Anwar Sadat, em 1981. Sadat foi assassinado por militantes islâmicos durante uma parada militar no Cairo. Mubarak, sentado ao seu lado, teve sorte em escapar ileso.
Desde então, já sobreviveu a pelo menos seis tentativas de assassinato - na mais séria, o ataque ao carro presidencial logo após a chegada de Mubarak à capital da Etiópia, Addis Abeba, em 1995, para participar de uma cúpula de países africanos.

Além do talento para se desviar dos tiros, o ex-comandante da Força Aérea também segurou com força as rédeas do poder, assumindo um papel de aliado confiável dos Estados Unidos e combatendo um poderoso movimento de oposição em casa.

Nascido em 1928 em uma pequena cidade na província de Menofiya, perto do Cairo, Mubarak manteve sua vida particular longe do domínio público. Ele é casado com Suzanne Mubarak - de ascendência britânica, formada na American University, no Cairo - e tem dois filhos, Gamal e Alaa.
Mubarak não fuma, não bebe e é conhecido por levar uma vida regrada e saudável, com uma rígida rotina diária que tem início às 6h. No passado, amigos e colaboradores próximos reclamavam da rotina do presidente, que começava com uma sessão na academia ou um jogo de squash.
Apesar da falta de apelo popular, o militar musculoso criou uma reputação de estadista internacional com base na questão que resultou na morte de Sadat: a busca da paz com Israel.

Com EFE, BBC, AP e New York Times

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