REFLEXÃO: HUMANOS, SUFICIENTEMENTE HUMANOS

A leitura incorreta das palavras de Jesus tem gerado interpretações tão distorcidas que acabam produzindo resultados completamente opostos daquilo que a mensagem originalmente propõe. Ao invés de realçar no homem sua humanidade, pretendem reforçar sua divindade. Esse processo de endeusamento do homem acaba adoecendo ainda mais uma criatura que já vem perambulando pelas páginas da história carregando um corpanzil alquebrado e cheio de chagas.

Estou cheio daquele discurso pesado, ameaçador e enfadonho, de líderes legalistas, moralistas, espiritualistas (não espirituais) que me diz que para agradar a Deus, preciso pagar tal preço que nem mesmo eles conseguem; que para ser espiritual tenho que me tornar um asceta esquisito, e me distanciar cada vez mais de um mundo que, segundo o evangelho, eu deveria salgar, dar sabor; causa-me tristeza observar pessoas humildes subjugadas por regras e costumes, tradições e imposições de igrejas cujas “doutrinas” são verdadeiras “camisas de força” a sufocar seus liderados; contorço-me ao ouvir que para vencer eu preciso passar por um vale de sal, levar pra casa um punhado da terra santa de Israel, um vidro contendo a água do Rio Jordão, sacrificar e pagar para participar de uma corrente disto ou daquilo...

Pergunto-me, ora maravilhado, ora indignado com tamanhos absurdos teológicos, que Jesus é esse com quem essa gente se formou? É difícil crer que se formaram na escola daquele mesmo Jesus da Bíblia, porque, sem dúvida alguma, lá não encontram fundamento para suas práticas e ensino!

Em muitos casos, fica evidente que há um grande infantilismo espiritual, como se pudéssemos ver crianças (perversas) brincando de igreja! Infelizmente é esse o quadro. Em outros, podemos observar a falta de preparo teológico adequado, a falta de conhecimento bíblico sólido, e ainda em outros, pura exploração da credulidade, manipulação da miséria, do desespero de um povo rendido e triste, e essa é a parte mais execrável de todas.

Pois, com toda certeza, não é nada disso que encontramos no discurso de Jesus. Em nenhum momento encontramos Jesus buscando reforçar no homem aquela velha e maligna pretensão de ser Deus. Na verdade, foi exatamente quando começou a nutrir essa pretensão insana, sugestionada por satanás, a de querer ser igual a Deus, que o homem começou a cair. Isso Jesus evita e as religiões estimulam!

Quando aquele que é humano se deixa seduzir pela proposta de ser como Deus, começa a projetar-se de maneira altamente doentia, portando-se tirânica e intolerantemente. É aí que perdemos o prumo. Tornamo-nos vingativos, rancorosos, maldosos, isso porque, não podemos tolerar que nos humilhem, que nos tratem como meros mortais, uma vez que estamos convencidos de que ninguém deveria ousar contrariar a divindade que há em nós.

Jesus não alimenta essa tendência, pelo contrário, trabalha de forma consistente no sentido de enfraquecer no homem essa soberba e desastrosa pretensão.

Há um estranho sentimento de nobreza nas pessoas que, quando analisado de perto, não passa de puro orgulho, empáfia em forma concentrada. Essa altivez desmesurada é constantemente camuflada, maquiada, controlada, mas está por trás de praticamente todas as ações do homem caído. Ter certa dose de “orgulho próprio” passou até mesmo a ser celebrado como algo importante, devido à relação entre este e a auto-estima. Apenas mais uma maneira de justificar o anseio milenar de ser como Deus. Nada mais trágico! Nada mais patético!

Pois as religiões, em sua maioria, têm falhado em encorajar o homem a cultivar mais a sua humanidade. O que fazem é acentuar ainda mais uma tendência já forte dentro dele ao culto a si próprio. Pois o Evangelho, diferentemente de todas as propostas, vem apresentar ao homem a singeleza de sua humanidade. É difícil ser humano num mundo onde os homens se bestializaram a ponto de perder por completo a ideia do que realmente são, mas ainda assim, é possível, e vale a pena. O Evangelho insiste nesta tecla. Jesus está dizendo isso o tempo todo através de seu ensino.

m sua vida, Ele o faz quando vive a experiência de Ser humano em sua forma completa. Ele viveu como homem e fez o que fez como homem, e não como Deus, como muitos imaginam. A raça humana jamais tinha visto um homem vivendo sua humanidade em estado puro. Ao olhar para Ele, muitos, confusos, concluíram: “É Deus”! Os líderes da religião quiseram saber de onde procedia tamanho poder e perguntaram atônitos:
“Com que autoridade fazes tu estas coisas? e quem te deu tal autoridade”? (Mt 21:23)

Outros ainda, mais levianos em seu julgamento, sentenciaram:
“ (...) Ele está possesso de Belzebu; e: É pelo príncipe dos demônios que expulsa os demônios.” (Mc 3:22)

Na verdade muito se discutiu sobre, afinal, quem era Jesus. O próprio Jesus, sabedor da dificuldade que teriam de assimilar sua pessoa e ministério, pergunta aos discípulos: “O que dizem os homens ser o filho do homem?” (Mt 16:13) A resposta veio de forma variada. “Responderam eles: Uns dizem que é João, o Batista; outros, Elias; outros, Jeremias, ou algum dos profetas.” (Mt 16:14)

Estavam confusos, divididos, apreensivos, com respeito à identidade definitiva daquele jovem Galileu. Muito embora lhes parecesse um homem comum, Jesus os intrigava profundamente com suas palavras e gestos. Ele apresentava poderes miraculosos, mas em nenhum momento buscava autopromoção. Será que eu e você, de posse daqueles poderes, não andaríamos um pouco empertigados por aí? Seu ensino era perturbador. Ensinava com grande autoridade e encantava as multidões, entretanto, em nenhum momento o encontramos deslumbrado com os elogios ou com a sensação de perplexidade que tomava os seus ouvintes.

A situação é realmente reveladora. Jesus era Deus, contudo, segundo a Escritura, “Não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (Fil 2:6), em outras palavras, Ele não achou que deveria usar suas prerrogativas de Deus em nenhuma das circunstâncias que o envolveu durante os trintas e poucos anos de sua curta existência como homem. Ele tinha condições para arrogar-se, para sair por aí dando “carteirada”, para encarar seus perseguidores com frieza e insolência e perguntar-lhes: “Vocês sabem com quem estão falando”?

Diferentemente de tantos homenzinhos empolados e arrogantes que vemos por aí, exaltando-se a si próprios como se fossem deuses, encontramos Jesus, o verdadeiro Deus, se humilhando, como se fosse homem. Ele toma o caminho inverso!

 
Luiz LeiteEscritor, conferencista, administrador de empresas e psicanalista. Preside a International Fellowship Network e pastoreia a Igreja Vida com Cristo, em Belo Horizonte(MG)

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