Fantasia de Lewis é transcendente

Quando se trata de conhecer a Deus, toda a iniciativa depende d’Ele, dizia C.S. Lewis. “Se Ele não quiser Se revelar, nada do que fizermos nos permitirá encontrá-lO.” Lewis foi um estudioso da Bíblia. Contemporâneo de J.R.R. Tolkien, desenvolveu extensa correspondência com o autor da saga O Senhor dos Anéis. Eram ambos eruditos. Eventualmente discordavam – em alto estilo. O Senhor dos Anéis virou trilogia de Peter Jackson e o episódio final, O Retorno do Rei, foi premiado pela Academia de Hollywood. Lewis escreveu uma saga juvenil em sete volumes. Hollywood interessou-se por suas Crônicas de Nárnia. Estreia hoje o terceiro filme da série, A Viagem do Peregrino da Alvorada, assinado por Michael Apted.


É o primeiro na Fox e a empresa lança o filme em cópias planas e 3-D, em versões dubladas e legendadas. Começa com Lucy e Edmund entrando com o primo num quadro que mostra um navio no mar. O navio é o Peregrino da Alvorada e o trio embarca com o príncipe Cáspian numa aventura que os leva a enfrentar feras do mar, dragões e até um gigante chamado Tritão. Mas o pior inimigo nessa jornada para restabelecer a paz em Nárnia – num momento em que o próprio mundo está em guerra – é sempre interno. Lucy, por exemplo, quase se deixa perder pela inveja, ou pelo ciúme. Como sempre, o leão, Aslam, representa o divino, a sabedoria. Em vez do Cordeiro de Deus, Lewis criou Aslam para ser a entidade superior de Nárnia.

Lewis buscava na religião e na literatura o consolo para o sofrimento que considerava inerente a toda experiência humana. Nem sempre foi assim. Sua biografia se chama O Mais Relutante dos Convertidos, justamente por causa das dúvidas e do ateísmo que o acompanharam após a conversão. Como homem de cultura, e sensibilidade, Lewis nunca deixou de tratar a religião com as chaves de Freud. A Bíblia lhe interessava também como fonte de mitos, como linguagem. Em relação à sua obra, a revelação se faz no sentido inverso ao que ele dizia que deve marcar a aproximação do homem de Deus. Se o leitor não se abrir para seus mistérios, se insistir que tudo aquilo é bobagem e que a fantasia não é um instrumento de investigação do real, não vai conseguir desfrutar o que O Peregrino pode oferecer.

Em sua diversificada carreira, Michael Apted fez documentários sobre religião, incursionou pelo universo de 007 (O Mundo não É o Bastante) e até biografou a conservacionista Dian Fossey em A Montanha dos Gorilas. O próprio Apted diz que falta narrativa “fílmica” aos livros de Lewis. Segundo ele, as mudanças que fez na história do terceiro filme só deixam espaço para mais uma sequência. “Ficaria muito surpreso se filmassem todos os livros. Acho que um quarto pode funcionar agora, com as mudanças no terceiro, mas depois disso, a história perde o rumo”, adverte o cineasta.

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: O PEREGRINO DA ALVORADA

Nome original: The Chronicles of Narnia: The Voyage of the Dawn Treader, Direção: Michael Apted. Gênero: Aventura (Reino Unido/2010, 119 min.). Censura: 10 anos.
Fonte: O Estadão

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