A ética dos contos de fada

 O artigo abaixo foi escrito por Gabriele Greggersen, escritora, estudiosa de CS Lewis e parceira do site Narnianos.com. Por ser um artigo extenso, resumimos muito, conheça todo conteúdo no narnianos.com
Aproveitem a leitura!

Resumo


Qual o sentido de se falar em contos de fadas nos dias atuais? Como utilizá-los em sala de aula, seja para o ensino de princípios genéricos do homem, seja de conteúdos específicos? A partir do referencial de C.S. Lewis e autores correlatos, este artigo discute o sentido do uso dos contos de fadas para a formação humana, apresentando uma proposta para levantamento e debate das virtudes humanas por trás dos contos.

Introdução

Qual a relação entre literatura, sociologia e filosofia, particularmente a ética? Que benefícios podemos esperar do diálogo entre campos aparentemente tão distantes? Esta é a pergunta central que estará nos balizando ao longo das páginas a seguir, dedicadas ao autor e catedrático de literatura medieval e renascentista, C.S. Lewis (1898-1963), ainda pouco conhecido no Brasil. Promover este nome e seu legado nem sequer seria necessário,se considerarmos a sua contribuição a uma sociedade carente de paradigmas de valores e esperança.

Quem tem a curiosidade de pesquisar em âmbito internacional, particularmente, nos países de fala inglesa e se aventurar pelo mundo da literatura fantástica, acabará identificando-o como parte integrante do patrimônio cultural comum da humanidade. Boa parte de sua biografia já serviu até de inspiração a diretores de filmes de vídeo, inclusive, de um filme de Hollywood, intitulado Shadowlands (Terra das Sombras).

Buscamos nesse artigo contribuir com uma perspectiva metodológica diferente para o trabalho em sala de aula com contos de fada, inspirados no exemplo do autor britânico C.S. Lewis (1989-1963) e seu mundo de Nárnia entre outros autores. Isso, numa era que já expressa seu ressentimento pela falta de referenciais de valor universalizáveis , desde pelo menos, a antiguidade.

As implicações da tendência humana de buscar substitutos (Ersatz) para a ética clássica ou ética das virtudes, e ao desnorteamento moral têm se manifestado em diversos campos: da educação (a questão da indisciplina torna-se cada vez mais destacada); da segurança (o horror do terrorismo dispensa comentários); da política e negócios (a proliferação de comissões de ética).

A contribuição de autores como C.S. Lewis é certamente fundamental diante desse quadro, que já vinha se delineando no pós-guerra. Ainda que perseguido por sua popularidade junto ao público “leigo”, Lewis sempre se destacou nos meios acadêmicos por sua desenvoltura em áreas que poucos pensadores foram capazes de articular: crítica literária, literatura medieval e renascentista, filosofia, além de ter sido excelente orador e disputado palestrante. Mas o mais relevante para nosso estudo é o interesse que ele tem despertado em estudiosos de áreas tão insuspeitas quanto a filosofia, sociologia e teologia. Pois ele nos dá um exemplo vivo de como o ensino universitário, pode deixar de ser fragmentário e maçante como vem sendo praticado no Brasil e diríamos até, no mundo. É possível, sim, reunir a razão, emoção e imaginação, rumo a uma educação mais integrada, e portanto também mais humana.

Um desses estudiosos do seu pensamento, Peter Kreeft (1994, 12-24), que é considerado ele mesmo eminente e sábio acadêmico, menciona algumas contribuições de Lewis para o Terceiro Milênio. Uma delas é a crítica contra o cientificismo, que se expressa por uma espécie de “snobismo cronológico“ ou seja, a tendência de considerar tudo o que é “mais novo” ou mais “recente” invariavelmente melhor. Deve-se a ele ainda o resgate de concepções filosóficas essenciais, como “razão”, “imaginação”, “lei natural” ou “lei moral” e conceitos mais ligados ao campo da teologia.

Mas a sua maior contribuição, a nosso ver, é a de ter conseguido, como ninguém, unir razão e imaginação, numa síntese comparável somente à dos grandes gênios da literatura ficcional como Cervantes, Fiódor Dostoievski, Jorge Luiz Borges, G. K. Chesterton e J.R.R. Tolkien. Em seu prefácio ao O Homem Invisívelde Chesterton, por exemplo, Lucia Santaella destaca dois ingredientes básicos desse autor:

Embora o seu grande amigo, colega e parceiro para troca de idéias e inspirações, J.R.R. Tolkien, visse com olhos críticos o estilo pouco cartesiano de Lewis, ambos concordavam, em linhas gerais, que os “contos de fada são a melhor forma de dizer o que tem que ser dito”. G. K Chesterton que muito inspirou a ambos e a muitos dos estudiosos do campo, ao menos, também concordaria com isso.

Humanizar o ensino, aplicar à prática de ensino e ao cotidiano das escolas os princípios universalizáveis da humanidade nos parece uma tarefa urgente, no contexto de hoje. Uma das formas de se promover essa humanização é a introdução de métodos mais criativos, dinâmicos e cheios de bom humor e alegria, como diria Snyders. Além do uso apropriado do humor, podemos aprender com C.S. Lewis e autores correlatos, importantes lições, não somente em termos de metodologia de ensino, mas também de redação e metodologia científica. As grande enciclopédias e dicionários de língua inglesa mencionam-no como um dos autores mais citáveis como exemplo de diversas modalidades literárias.

Seu estilo é marcante pela forma clara, sóbria e simples de dar expressão às suas visões de mundo que se caracterizam sempre pela simplicidade e positividade, até mesmo no contexto de guerra em que ele vivia. Elas nos encorajam a enfrentar, ainda que indiretamente, os aspectos negativos e dolorosos da vida.

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