ESTRANGEIRO

A Bíblia diz que João Batista pregava no deserto. É assim que me sinto. Albert Camus descrevia o sentimento de estar deslocado. Também eu me sinto estrangeiro. Muitos dizem que os servos do Rei são embaixadores. E, como embaixador, não possuo a cidadania do país onde estou. Talvez...

Não sei. Só sei que faltam ouvidos que captem minhas palavras. Só sei que faltam olhos que também enxerguem o que eu vejo. Só sei que faltam corações sensíveis para se orquestrarem comigo. Sou dissonante. Não consigo encontrar o tom da maioria das pessoas. Não sei seguir a onda, por isso não sou da praia de todo mundo.

Estou fadado a peregrinar solitariamente nessa terra. Fui predestinado a sonhar idílios impossíveis. Tenho uma conduta discrepante dos demais. Minha loucura não é reconhecida pelos psicólogos. Meu idealismo não é compreendido. Meus devaneios são motivos de zombaria. Meus sentimentos não são valorizados. Minha presença não é anelada.

Sou dispensável. Sou um cantor que se apresenta para uma plateia de surdos. Um pintor que prepara uma exposição em um mundo de cegos. Um chef que prepara os melhores pratos para quem não tem apetite. Um escritor que publica livros em uma nação de analfabetos. Um cristão que tenta seguir o Mestre em um planeta pagão. Um herege inconformado com a ortodoxia pseudo-cristocêntrica que, na verdade, exalta o barro e não o Oleiro.

Vivo em torno de palavras que não fazem parte sequer do dicionário das demais pessoas. Transparência, verdade, liberdade, afeto, confiança, zelo, cumplicidade, fidelidade, honra... Preferem a dissimulação, mentira, prisão, grosseria, dúvida, descuido, porfia, blefe, baixeza...

Bem sei que minha meia dúzia de leitores deve se reclamar, dizendo que estou fazendo charminho, que sou amargurado, que escrevo coisas tristes e feias sobre mim e, assim, atraio tristeza. Devem pensar que minha vida é cinzenta porque assim a pinto. Devem achar que fujo das cores do mundo.

Não é isso. Apenas quero ter uma visão racional da vida. Não quero vivenciar sonhos que se transformam em pesadelos. Quero ter uma vida que seja ‘vivível’. Sei que estou rodeado de surdos e cegos, mas não consigo deixar de cantar e pintar. E não deixarei de ter esperança de ouvir aplausos (ou vaias) da plateia...
 
Jénerson Alves é Batista, Jornalista e colabora com o Programa de Rádio Espaço Livre e Presentia.

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